31 dezembro, 2014

Novo feliz ano

Há tanto o que ser dito desses últimos meses. Primeiramente, completaram seus deveres. Obrigações intermináveis, mas com fim sólido. Avassalador, diriam. Conexões incompletas. Acordar tornando o presente acumulado em um passado instantâneo.

Há tanto o que se comentar dessas últimas semanas. Justamente porque figuraram uma peça com atores vorazes. Juventudes que se tornaram imediatamente velhas. Ensinamentos ditos pela falácia, com garganta apodrecida ainda em tenra idade. Olhares despedaçados. Bocas infiéis. Suspiros, contudo, que desembocaram em verdadeiras descobertas. Revelamo-nos uns nos outros, gratuitamente.

Há tanto que se dizer desse ano. De um ano que se multiplicou 365 vezes sem paradas e equilíbrios. Uma jornada indeterminada que ao menor sinal de desavença permitiu o desafeto. Paralelamente, toques dados por amor também completaram essa jornada. Curta ou não, a verdade habitante de seres sempre conectados prevalecerá. Pode demorar mais um ano, talvez, mas sempre ocupará a história de seres.

Jornada quase interminável que surrupiou liberdades, lascou vontades, ceifou alegrias e amputou momentos mágicos.
Mas deve haver mais ditos sobre esses últimos instantes, que como todo bom observador da rotina se gratifica com a incerteza do futuro para novos saberes. Não tão perto de nós, e sim em nós mesmo, lá está nosso grande desafiador, o tempo. “Você fala muito do tempo, não é?” Eu havia escondido a verdadeira resposta: é ele quem fala sobre nós, meu amado amigo. Sempre foi no ontem que nos resta a memória, durante nosso respirar enquanto acordados vivemos e no nosso futuro indevido. Sim, totalmente, impreciso. O tempo deveria ser chamado imprecisão. Perpétuo. Impenetrável. Desafiador. 
Como se disse desse último ano é: já se sabe o que dizer. O que não sabemos é escrever nosso ano sem aquela pitada desumana de incertezas, de intensos desvios e insuportáveis aprendizados. E, por fim, entre margens de rios, água pura e firmeza entre pares encerra-se uma data para surgir um dia.

17 dezembro, 2014

Conexão São Paulo

Foi uma sensação extasiante, de repente! Pensei naquelas horas quando em São Paulo, anos atrás, ocorreu o encantador encontro. Pensei naquele ano que nos reconhecemos abaixo do MASP.
Que aroma! Era tarde, nublada, claro, mas estávamos em São Paulo. Juntos pela primeira vez. Ousaríamos? Aquele sentimento de surpresa a qualquer momento elevava-me. Carros e pessoas atrapalhavam minha espera. E daí? Eu não era deles mesmo. Era tarde e com luz adequada. Como se Deus, Iemanjá e Buda quisessem que o retrato estivesse bem em cores e sons.
Não esperava apenas uma pessoa, eu esperava você! Inexistiam despropósitos, apenas visões. Desliguei-me do tempo cronológico, já não tenho memória para saber se houve ou não atraso. E quem se importou com o horário, não é? Tanto fazia, pois problema algum aconteceria. Inconveniente algum aconteceu! Eu só desejava conversar entre prédios e constâncias humanas. Poderíamos sentar em cadeiras de madeira num bar entre a Teixeira da Silva e a Treze de Maio. Imaginei muitas situações. A principal seria como eu me apresentaria. Expressaria sorrisos juvenis!? Como eu mais amadurecido me comportaria como criança? E os olhares, como seriam? E as falas, adequadas? Deveriam ser dadas em harmonia com os movimentos do corpo, não? Ficaria aguardando o momento exato para intervir? Que momento? Que certo? Quando certos? Éramos nós mesmos, sem travas, apesar de desconexos. Isso foi culpa de conhecidos em comum acordo em antiga rede social. Como pôde acontecer? E aconteceu!
Ali estava eu encurralado e com vistas para a Praça Geremia Lunardelli. Ventava, suavemente, eu lembro. Ansioso, conforme os transeuntes se embaralhavam no percurso das calçadas, não saberia em qual das direções se apresentaria. Poderia ser pelo norte, leste ou oeste... Mesmo assim estava a respirar sem sofreguidão. Tentei decorar todos os movimentos ao meu redor para poder dar cortes adequados à memória. Como seria seu semblante lançado a tantos rostos desconhecidos? Endurecido pelo pouco contato com o movimento desenfreado dos paulistanos ou dócil como se esperava do lado no qual nasceu? Havia pretendido não criar expectativas, mas...
Poderíamos percorrer toda a extensão da Consolação sentido República. Certo estava que nossa direção era o acertado encanto. Não choveu, somente esparsas aparições solares. Dirigir até o Museu da Língua Portuguesa foi como flutuar entre folhas em pasto amplo e sem curvas. Ao adentrarmos o edifício havia mais que felicitações, havia Lispector. Como poderiam os deuses acertarem novamente a nossa temperatura? Fizeram-nos dois amantes dessa literatura. Os olhares, depois os cumprimentos iniciais, a rotina ao nosso entorno e agora a literatura que aspirávamos... intensos todos como Lispector. Naquele momento surgiu em mim o inconstante e surpreso. Planejei o ideal e ele se doou a nós voluntariamente. Incrivelmente destravei-me. Tomei-me por nós. Entramos. Faltavam poucos minutos para o encerramento e como que empurrados às celas, paramos em um orbitário lispectoriano. Era uma constelação de estrelas que se misturava com um enredo de dizeres de Lispector. Não nos cansamos de, entreolhares, dizer à literatura a nossa vontade: universos, o meu e o seu, vivificamos para o sempre a completude sem egoísmo. Saímos quase correndo do prédio e nos deparamos, novamente, com a rotina, ainda empedrada e sem gosto. Ah! A quem interessava senão a nós mesmo nos embalarmos até o bar. E já acomodados em poltronas do bar da Associação dos Amigos do Museu de Arte Moderna de São Paulo deliciaríamo-nos em dizeres autorais. Sem vergonha e pudores, mas nobres em orações. Havia ritmo, não? Houve conexão, não? O movimento lá do outro lado das janelas não nos valia mais. Invalidava a ansiedade. O que nos separava até aquele momento eram as Federações e agora estávamos lá! Sentados a espera de nós mesmo, unicamente.
Como Cronos é um deus invejoso! O tempo passou rapidamente e desde o momento de nosso encontro até aquela empática duração sufocamo-nos em sorrisos. Verdades ditas banhadas à sinceridade enquanto acomodados em poltronas, ouvi em meu direito ouvido uma provocação. Cegou-me e “voilá”! Já sabíamos a medida. Foi dado o comprimento de nossa façanha. Descobri pela primeira vez que o encanto não é gratuito e quando ele nos aborda é difícil derrotá-lo. Por essa razão escrevo! Para que o universo possa quando nos ler restaurar em mente a originalidade do encanto, invejável a qualquer escritor de contos. Foi dele, o universo, a conta que nós quitamos. Desenxabido, degustou os melhores sabores, aprovou as mais intensas palavras e respirou o desejo de modo irreparável. Danado universo aproveitou-se da comunhão.
Repete para mim a provocação até hoje. Extasio-me, porém não me paraliso. Apenas guardo o deleitável retrato que se emoldurou em ardor no peito.

14 dezembro, 2014

Dois por um só

Pequenos contos para pequenas emoções e histórias.

Havia dois meninos que se sentaram juntos e juntos comentaram situações de uma vida completamente eterna. Desconhecidos, após os esforços em um parque de diversão que de início não lhes rendeu sorrisos, inventaram-se. Juntos, ali entre os fios de um meio caminho, naquele instante de intervalos, estavam dispostos, lúgubres e intensos como toda criança deveria ser a procura de um conforto. Falaram de coisas do cotidiano. Simpáticos, pareciam vizinhos de longa data. Eram gostos e linguagem próximos. Completavam frases com provocações e riam após entendimento. Paravam entre olhares e mais ironias, típicas da jovialidade. Trocaram envolvimentos ingênuos, sempre puros, contudo. Riam, riam e cada vez que um ria do outro o próximo se esplendorava. Era comunhão e ninguém ali poderia impedi-los. Ao menos para um deles... Desafiavam o cansaço. Foram minutos após minutos de exercícios. Tocavam-se. Apertavam as mãos. Estavam a sós. Mas, como nada que seja puro permanece intacto nesse universo: desconheceram-se, repentinamente. Pelo que? Um afirmou, despretensiosamente, logo após se redescobrir quase como um movimento dialético, ser pela devoção à injustiça originada pelo companheiro: já haviam desgastado todo o tempo da pureza e descoberta. Acabou o mistério! Uma lástima... O outro, pela competição, sem mesmo investigar, exclamou não confiar mais naquelas declarações. Eram para ele enganosas. Supostamente. Lá estavam novamente sós. Estranharam-se. Conforme as mães reivindicavam suas presenças, os dois se distanciavam mais e mais, de modo que se tornaram desconexos. O que era brio compartilhado transformou-se em birra. A mais desvelada sensação de conforto tornou-se antipatia e etiqueta. E, por fim, o que restou entre eles era unicamente a devoção vivenciada em amor espontâneo e futuramente omissa. Inexistia a possibilidade de negarem a si mesmos. Já havia conexões. O parque fechou, as mães os tomaram pelos antebraços e cada um voltou a sua roda da fortuna.

08 dezembro, 2014

Espelhos

O popular conduz de modo exemplar as sabedorias: quebrar o laço é o primeiro passo para o infortúnio. Ali, quase como uma criança que desastrosamente desconhece a firmeza do próprio punho, inocentemente foi vencido pela gravidade. Era um banho qualquer e por qualquer desatenção o despropósito aconteceu. São afetos desfeitos por simples quebra de decoro, isso quando há para arder em descarte.
Desfazer interesses agrada mais à vaidade que favorece os justos esforços. Agora, quebrá-los, ai sim acometem-se ao infortúnio. Já estava quase tudo preparado para o início de frutuoso devir, mas... o descuido, o falso interesse e a mesquinhez levaram-no a quebrar. Ao menos fosse desfazê-los para futuramente resgatar aromas, sorrisos e vigor.
A cá! Conduzimo-nos pelo caminho de uma vereda irônica. Caminhar sempre foi desgostoso esforço, mesmo ainda mais moço, apesar de conhecer as existências, cônscio de sua solidão.
Era apenas para se ensaboar. O enxágue seria fatal. Por que se ocupar de duas coisas ao mesmo tempo: a si e a própria insegurança? Naquela madrugada não foi isso que pode acontecer, porém. Um natural banho se tornaria sentença para outros 7 ou 14 anos de infortúnios. Quem saberia contar agora?
Caberá ao próprio popular reinventar a roda da fortuna de quem desfez laços, acomodou-se em lençóis em noites apartadas de pele e quebrou a particular fortuna. Ah, ah a vaidade! Tão formosa entre nós.

03 dezembro, 2014

Não há comédia nos séculos pós-aleguierianos

Já não deveria mais ser acompanhado por Virgílio, mas conduzido por Beatriz.
Já não poderia vivenciar as turbulências e as amarras oferecidas por Virgílio.
Deve-se selar a clausura de um dado finito, pois inexiste fôlego entre os fiéis.

01 dezembro, 2014

A terra



Raro ouvir uma declaração sobre a terra, talvez o poeta que “nasceu pra passarinho” seja o único representante literário de defesas como essa. Mas por que pensar que a terra seja o elemento inútil? Eu vou procurar decifrar essa matéria, pretensiosamente.

Os primeiros interlocutores me disseram que a terra é desimportante porque está abaixo de nosso horizonte visual. Como não se fez o humano os olhos no pé, então é mais certo crer que não há importância o baixo.

Depois, o segundo grupo tentou me convencer de que a terra é suja e por essa razão não haveria necessidade de apreciá-la. Relutei em querer desaprovar o argumento, mas ele existe.

Percorrendo outras mentalidades, o terceiro grupo pretendeu me surpreender afirmando que a terra é maleável e sem forma definida. Com o passar dos anos as dunas, por exemplo, não permanecem na mesma dimensão. E constantemente se estendem voluptuosamente pelas regiões distantes nos braços do vento hiperativo.

Inconformado em encontrar apenas um, mas letal defensor do elemento terra, ainda me encontrei a memorizar a quarta inconformada opinião: a terra nos é inútil por causa de um aroma que não remete a ninguém e ao nada. Não é possível classificá-la pelo simples entender: quem ao rolar na terra, mesmo por diversão, após se levantar não procura imediatamente a limpeza. Quem se importaria a permanecer exalando o inexistente aroma de terra? Por que se é possível quase imediatamente limpar as partes do organismo e ficar cheiroso após uma ducha bem ofertada?

Mesmo desanimado continuei advogando uma paciência para receber delicadas palavras que pudessem acalmar minha angústia pela defesa da terra. E quanto menos esperava havia me deparado, novamente, com mais uma desonrosa situação contra a terra. O quinto grupo declarou com sorrisos na face de que a terra é muda. Conforme vão se movendo os seres superiores, ela, a terra, não expressa sons. Palidez sonora seria uma benção. Não, ela é fatidicamente muda e sem mais.

Gozado, pareciam sentenças dotadas da mais pura verificação científica. Comprovações inquestionáveis. Decisões unânimes.

Não satisfeito decidi me importar com o mais nobre dos seres superficiais, o humano, e por bem-aventurança descobri que é a terra, mesmo sem ser alvo dos olhos, que sobre ela as pessoas se encontram; que por mais insosso seja seu sabor é sobre ela que as pessoas demoram horas apreciando beijos com apimentadas mordidinhas; que além de ser volúvel é sobre ela que as casas rígidas são construídas e podem abrigar os mais afetuosos e sinceros abraços apertados; que por mais desorvalhada seja sua fragrância em mais ínfima espessura, é nela que o puro verde das plantações aplana os fogosos amantes e, por fim, se por menor parcela de sentido seus ruídos não embalam ritmos, é somente por ela que se contam os passos dados a dois em um frenesi de movimentos inconstantes.

11 novembro, 2014

Ela se chama Adriana

Chore, chore menino! Fará bem ao menos por um tempo mesmo com o peito ardendo. Mesmo que a duração tente apagar aquele sorriso mágico que nunca lhe foi negado. Mesmo que os momentos que estiveram juntos foram determinados pelos dedos das mãos, contáveis, singulares, laborais e dolorosos. Ah, claro meu menino, aqueles cabelos recheados de um devir com ventos adornadores que se completavam em uma tez escurecida pelos sóis. Não meu menino, não! Era um momento diferente. Lembro que você tentou estender a mão e segurá-la muito, muito forte. Eram mãos de menino, mocinho, não era nem um quase homem. Eu conheço essa dor meu menino. É a maldita ausência. Ela desintegrou as liberdades que teriam. Maltrata, não? Pois ainda vivo, meu menino, a herança é a imaginação. Poderiam ter caminhado ao menos alguns dias da semana num parque da cidade. Poderiam, ao menos, serem vistos juntos em corredores de um cinema. Você gosta disso, não é menino? Poderiam ter sido irmãos. E agora meu menino, o que você poderá ser sem esse pedaço fundamental em seu peito? E agora meu moleque que a cada dia abate sua alegria porque já lhe devastaram por demais o ser. Não meu menino, ainda há tempo! Não mais para aquela parte essencial que lhe tiraram, mas para o seu tempo. Eu sei meu bom menino, ainda reclama a juventude como se o relógio apontasse para o passado e você ainda pudesse esperar por ela.


Ela se foi há muitos anos, eu sei. Inexistem palavras agora num presente sem companhia. Eu também me pergunto meu menino, como existem pessoas egoístas no nosso mundo, pois foi uma delas que determinou o fim do respirar da sua outra parte. Silenciou-a. Difícil é falar do vazio, sabemos. Fale o nome dela e tente pensar naquele abraço mais doce que já recebeu em sua vida. Era o abraço do amor fraternal. Amor tão distante hoje de nós. Force com vontade e desejo para manter acessa a imagem daquele sorriso ingênuo e verdadeiro. O sorriso de Adriana cujo sobrenome não importa mais. Era o sorriso de Adriana. Era... Vá meu menino, descanse um pouco, mesmo nessa vida de individualidades e desconfortos. Proteja a sua mente para dar esse tributo a Adriana. E, por fim, não se desculpe por não conseguir mais impedir que seus olhos fiquem avermelhados, meu menino, a ausência por milênios nos deixou sem apetite.

10 novembro, 2014

Mutilação

Desinteressado, repousou olhares sobre um futuro indeterminado. Sempre ousou por mais. Temeroso com o presente, pretendeu energias para o agora sem muitos desconsertos. Direcionou a atenção para o vazio. Ali a rua, lá um homem a levar o lixo até a frente de casa.

Acomodou o veículo no pasto certeiro e relembrou de minutos incontáveis ao lado do mistério, certa vez. Parecia querer recuperar aquela sensação: solidez nas palavras que a ambos eram sinceras. Ao menos assim determinou de sua parte. E aquelas ofertadas do lado de lá? Detestou a ideia de que pudessem ter sido avultadas da coerência. Havia tanto o que ser feito, mas não haveria mais espaço no devir para tamanha campanha. Tudibiou e logo teve que aceitar. O mistério tem sua função bem dada: mutila.

03 novembro, 2014

O colecionador

Criei minha razão em si.
André Luiz Martins

Ele não era arrogante. Possuía uma pose de mandão, sisudo, claro! Pouco expressava dizeres de compaixão, entretanto. Somente sorria quando socialmente estimulado. Não havia dor, muito menos desprezo, aparentemente. Apenas ele em si. Um ele que mesmo em derivadas afetuosamente determinadas passou a ser entendido como mole, e, por diversos aquedutos diários a sua transposição se dava de maneira sólita.
Resmungão dos resmungos dos outros: “Você não deve falar assim, as coisas mudam sempre e quando nós menos aguardamos!”; “Já deveria ter notado que sua ideia antes não condiz com o seu sentimento hodierno!” e completava “O tempo é a nossa mais deliciosa criação.” Admirava a sincronia do universo. Pobre homem!
O erro estava em outras partes de humanidade que eram reduzidas, enfraquecidas, desonrosas, desenxabidas e frágeis. Altivo, belo aos olhos alheios, ele assim era enxergado. Desejavam-no porque ele sabia provocar. Esse sempre foi o seu maior destaque: voluptuosidade. Não era para menos! Tornava-se mais individualista a cada elogio que era desferido em seus ouvidos: “Belo!”, “Intenso!”, “Esperto!”, “Humorado!” habitavam a jornada auditiva do moço.
E o infortúnio aconteceu, logo que completara 1/3 de vida: amargou-se para os afetos amorosos. A secura passou a percorrer suas artérias. Os órgãos pararam por completo. Surgiu o vazio e com ele o pânico. Imperceptível durante a gestação, mas anos depois voraz. Não se comprometia. Oferecia o silêncio envolto em um sorriso sedutor cujo conteúdo expandia-se pelo despropósito.
Nesse instante a dinâmica em vida tornou-se sem brilho, contraste e cor. Os reguladores se dispersaram. A vaidade se manteve, mesmo a míngua. O rubro cobriu seu leito sem pestanejar. Os diálogos com os amigos eram mais sórdidos. Pessoa alguma representava vontade. O desejo se tornou viral. A casualidade apenas nutria seu desespero ao repousar às noites. Noites insuportavelmente amargas. Alimentava, ainda, as mágoas passadas. “Por que!?” repetia freneticamente, às vezes verbalizava. Comungou histórias tristes de companheiros e mesmo assim continuou solitário, faminto por aconchegos e sórdido. Acumulava dizeres e mais e mais elogios. Sua flacidez era interior, pois, ao percorrer os paralelepípedos do desgosto, percebeu que algo o incomodava. Refletiu! E, através de esforços pessoais inimagináveis para pessoas de boa fé, tentou reconhecer mais afetos. Mais uma vez, e mais e mais e mais vezes. Tentava! E, retornando para o antigo, reafirmava a dor e cristalizava um átrio. Parado, o órgão não conseguia movimentar o líquido que o sustentava. Depois, tentou novamente e esse ciclo de abre-e-fecha emocional o entediou. Cansado, defronte a possibilidade de encantamento como aquele lá da antiga possibilidade desfeita, cegou-se emocionalmente e nem notou. Em dada noite, atendeu ao chamado do envolvido, respirando calmamente e com voz de quem não quer apunhalar se despediu. Colocou-se novamente a caminho do destruidor de histórias em plural: abraçou o tempo.
Enfurecido, escreveu-me dias atrás: “Revivi nesses últimos meses, a minha maneira, o que fui há anos graças a sua frouxidão. Eu preciso me desfazer desse vazio. Alcance-me, por gentileza.”

Quando vem a saudade - Maysa

Nem que algum dia eu venha a chorar
E viver pelos cantos sem nunca te ver
Eu só quero presente podendo te amar
Pois futuro sem ti, eu não vou querer ter

São tão poucos momentos que são como agora
Em que estamos tão perto e te tenho pra mim
Só eu sei como dói quando chega a hora
Em que vem a saudade e eu chego ao fim

Grande amor que não posso e não quero esconder
Vou vivendo esta vida, curtindo essa dor
Eu só quero que um dia tu possas saber o que é o amor

Grande amor que não posso e não quero esconder
Vou vivendo esta vida, curtindo essa dor
Eu só quero que um dia tu possas saber o que é o amor

21 outubro, 2014

Diálogos

O entrevistador questiona o teólogo sobre o simbolismo presente nas religiões. O teólogo responde complementando sobre a perda do mistério, que está banalizando as expressões de crença atuais. E termina: “com a perda do mistério perde-se também o fascínio”. Mais uma das minhas inquietações existenciais que refletirei pelos próximos dias.

10 outubro, 2014

Devir

Ontem nos pareceu tão farto. Quase como um glutão que devora memórias.
Ontem se apresentou tão extenso
quase infinito
dono de um poderio sem virtudes.

Com maquiavélica vontade se apossou de entranhas corporais
expurgou recentes acontecimentos
destronou líderes incorruptíveis
deixou-nos órfãos
fez-me singular e não mais plural.

Ontem
fez de todos nós humanos desafortunados.

Ontem, ah o Ontem!
Com o auxílio do tempo personificado em vontade
legou-nos apenas bons momentos
que
em suas grandezas históricas
desapareceram das intenções.

Ontem
Fez de nós mais comuns que o habitual.

Ontem
eu usei o instante como utilizo de mim mesmo em dúvida
havendo somente uma força que habita em humanos

para não nos esquecermos.

01 outubro, 2014

Queiramo-nos

Entre abocamentos ficamos nós uns nos outros. Inexiste a possibilidade desse fenômeno não acontecer, independentemente das primárias intenções. O interlocutor repassa a intenção ao receptor e ali se firmam sóbrios, quietos e cúmplices. Faltam detalhes, contudo, nos futuros comprometimentos e as pequenas parcelas de cada um se expandem involuntariamente. Deixam-nos inseparáveis de modo que há vontades comuns e sinceras.
Quando cerramos nossos olhos retorna-nos a imagem, do nosso pretendente à boa companhia, exclamando afetos brandos, consistentes. Pedem-nos, assim. Quando cerramos os olhos em dias de luto apontam-nos o reflexo de nossa alegria desvelada em face alheia. Por segundos reconhecemo-nos em uma atmosfera sem paralelos: é como se fôssemos, nós e as boas companhias, um só ser em conexão. Há paz. Hoje, em dias de desvínculos, há prodígios quando nos tornamos nós. Precioso é o franzino feixe que mantém os espíritos unidos por minutos desavergonhados.

Ao cerrarmos nossos olhos e relembrarmos das boas companhias e elas em retrato estiverem ofertando um canto de boca imensamente distante do outro canto de boca são elas mais que boas companhias, são nossas.

24 setembro, 2014

Por favor

Tornamo-nos tão essenciais quando pertencemos aos olhos alheios. Mudamo-nos por verdadeiros motivos interiores, capazes de nos trazerem o bem. Mudamo-nos o nosso universo por momentos singulares, respirações necessárias e toques de paz. Mudamos o nosso mundo.

Reescrito

Fomos (re)criados para pertencermos a tantas coisas. Uma delas é a nossa fantasia, a mais brutal capacidade da invenção mental. Outra é a pessoa humana. Não seriam coisas propriamente, mas situações que nos impedem de verificar nossa universal e precisa vontade de sermos um conjunto e propomos,  erroneamente,  de nos tornarmos seres únicos. Entretanto, estamos ali por nós mesmos, diariamente, com inquietações, ressentimentos, fluidos de alegria e esparsos volumes de solidão. Pensáveis momentos agradáveis em companhias honradas, por um lado, e instantes tão supérfluos ao lado de desconhecidos: tornados paródia da vida contemporânea. Ironicamente, aqueles rapidamente encerrados pelo cronômetro enquanto estes parecem perdurar milênios.

O que sempre conquistamos, mesmo para o bel prazer, pela satisfação de sermos notados por alguém declaradamente próximo é a incerteza de nos pertencermos e pertencermos a ele, simultaneamente. Duvidamos e essa é a mais catastrófica das sensações, após o luto. O receio habitante em nossas entranhas nos eleva a seres ou essências quase sem humanidade, imediatamente. “Não queremos mais sofrer!” sentenciamos, pois, para alguns que nos brindam com suas crenças já fomos ofertados às entidades extra-humanas ou ao universo que gira e por isso não há mais razões em lutar pelo desejável. Pertencimento, todavia, não é uma escolha tão saborosa e pasmemo-nos: nunca será, porque as decisões nos desenergizam de maneira quase absoluta. Há aqueles considerados heróis que nunca desistirão de singulares conquistas, porém.

Atribuímos qualidades desconexas para a natureza humana e sequer pesquisamos o outro profundamente. Não temos tempo. Fica sempre para depois ou para nunca mais. Desfazemos farta paciência para despender com o passado, afinal existem tantos futuros férteis no mundo terreno... Já nos distanciamos de nossos propósitos, desse modo, e fugazmente almejamos a felicidade duradoura, o inatingível idealizado, o insólito constante e o comum disforme. Formulamos desenhos mentais sobre pessoas, esboços sentimentais para predestinados e cálculos de intenções para desenxabidos seres, haja vista que no horizonte da dignidade paira o querer. Sorrimos disfarçadamente mais para dentro porque ao nosso redor substituímos as verdades passadas. Quase verdades, exclamaríamos. Tentamos e já que não se sustentou deve ser descartado, afinal, às entidades extra-humanas ou ao próprio movimento do universo cabe o dia em que iremos viver uma grande experiência vital. Aguardamos atentamente por demonstrações irreais de fidelidade de pessoas caracterizadas por nossas pretensões e pouco por desavergonhadas ações virtuosas. A atitude já expressou o gosto pelo conhecido, sabido, esperado e seguro.


Valemo-nos de competições e apimentadas conversas acirradas para demonstrarmos a superioridade de consciência, raramente encontrada nas saudáveis relações humanas. O elemento motivador do virtuoso é a associação entre o tempo e os saberes. Julguemo-nos por nossas imperfeições e esqueçamos as maravilhas conquistadas pela empatia, originada em um descanso durante a jornada do cotidiano. Teatralizamos estupidamente a dignidade o tempo todo: a alheia, frequentemente, por medo. Suplicamos desejos que jamais se revelarão, por empáfia. Pretendemos vontades eternamente idealizadas, ainda que as neguemos, desafortunadamente. Seria a dignidade alheia tão vorazmente mastigável que não é possível admirá-la enquanto dura vida, mesmo sabendo, que pelo resto de nossa existência inexistirá o retorno após o seu desterro? Com o gasto do tempo em vida já anulamos quase que automaticamente as possibilidades. Quando frágeis em dado momento seremos condenados por todo o infinito. Adotemos o ideal do super homem nietzschiano ao passo do mais vagaroso animal terrestre ou ainda nos apoiaremos na clássica fórmula política em que apenas os deuses e os monstros vivem sozinhos? Ao som de Frédéric Chopin, prelúdio em E-Menor, ópera 28, número 4, encerramos, cônscios de nossas decisões.

06 setembro, 2014

Diário

“Na natureza nada se cria, nada de perde, tudo se transforma.”
Antoine Lavoisier

Não é de costume eu me encontrar comigo durante a rotina diária. Hoje, contudo, inesperadamente dois fenômenos naturais me esclareceram algumas questões.
Estava ali, parado comigo em reflexivo esforço, quando percebi, solitária uma flor cuidada com muito esmero por uma mulher muito especial. Veio a mim uma imagem tão confortável: aquela mulher cuida tão bem daquela solitária flor que sua beleza não se esconde, apresentasse franca e com um singular encanto. Também estava, além de solitária em sua única capacidade de ser, com suas pétalas voltadas para baixo, mesmo em seu esplendor.
Percebi, rapidamente, que atrás de uma beleza há um cuidado tão dedicado que as transformações do cotidiano passam a ser mais conquistas que desencontros, conclui.
Logo, direcionando meu olhar para o lado, e ainda pensativo, encontrei um gato preto sozinho em si e desenvolvendo sua atividade instintiva. Seus pelos pretos e completamente pretos me levaram a acreditar que a sua vida não se reduzia a estar em si, unicamente, e sim em completar o ciclo de vida de sua maneira mais adequada e esperada.
Ao retornar, lembro de admirar novamente a flor solitária, cuidando para que minha memória um dia, lá no futuro que desejo distante, me faça revê-la em imagem. O gato, aquele com pelos pretos e completamente pretos, driblou-me e se adiantou a frente e, parando me olhou com seus olhos de gato preto e completamente pretos. E conforme me adiantei mais próximo a ele, levantou-se e correu para perto da janela que lhe pertencia, pretendendo escala-la com maestria. Antes, novamente olhou-me com seus olhos de gato preto e completamente pretos. Foi ai que aprovei que a ele também eram dados bons cuidados e suprimentos ofertados por uma mulher atenciosa, muito especial.


Éramos três solitários em uma tarde de sensação térmica agradável e atmosfera reflexiva. Já se desfizeram os dias em que me desconfortava um encontro comigo. Verifiquei, por fim, que estive em três ótimas companhias: a solitária flor com pétalas para baixo, o gato com pelos pretos e completamente pretos e eu.

02 julho, 2014

Sabemos

Eu sei que você não está ai agora por mim. Talvez nunca esteve ou mesmo tentou estar, incomodado possivelmente com sua própria existência. Pretendo saber que esteja em outro.
Incertezas circundavam minha mente. Sufoco as sentimentalidades, mas... ainda há migalhas para se desfazer.
Certa vez os mais novos me impuseram uma sentença: você deve estar ocupado demais com os outros e se esquece de si mesmo, não? Quem irá amá-lo?
Desde os primeiros momentos de consciência percebi que seria responsável, enquanto vivo, por minhas ações, falas, compromissos e alma. Alma inquieta, persistente na amizade. Inconformada com as ilusões alheias. Mais uma alma qualquer entre tantas outras. E assim se fez: preciso hoje do desconexo, do frouxo e do insensato.
Bastava apenas um momento certeiro para me manter senhor. Singular, especial e, para mim, eterno. O que se abandonou foram os laços e gestos, não a memória. O saber surgiu para me acompanhar por muitos anos, possivelmente.
Ontem me chamaram de esperançoso, hoje me chamam de estúpido? Porém, vou continuar, exclamei! Bastava-me um adeus insensato como os anteriores, pois inconformado, manter-me-ia intocável. Já não posso mais agradecer-lhe pelo retrocesso, mas sim pelo devir.
Ó Céus, não havia percebido! Não o trato mais na segunda pessoa...

15 março, 2014

Temor

Não havia notado o terror lá fora que nos cerca. Em um nada de instante nos tornamos suspensos de nós mesmos. É meu caro amigo... a facilidade de movimentos corporais que existia em nossas pretensões, propulsora de escolhas individuais, na história da humanidade nunca existiu de fato.
Nos tempos escuros da Idade Média o translado era uma aventura: havia monstros, seres sobrenaturais, espíritos andantes, seres mágicos e tenebrosos. Fazer a mudança de uma cidade para a outra era um desafio assustador para todos os que se amavam. "Cuidado meu filho!" tornou-se a expressão universal do cuidado materno. Espalhou-se para os confins, até mesmo nas ilhas menos povoadas. Onde quer que estejamos seremos obstáculos para outros. Há sempre alguém por todos os lados. Até em cima, em aeronaves, e embaixo em caixões. Alguns, polidos, mesmo sem cumprimentos respeitosos, jamais visualizarão nossas faces. Somos eternos desconhecidos. Restam-nos poucas virtudes, mas a mais necessária no trânsito de humanos é a coragem. Como eu pensei em lhe ver, meu nobre amigo, no afeto mais confortável e seguro para que se lembrasse do ventre que lhe permitiu existir. Como eu senti no despertar de segundos de horror que você viveu a mesma insegurança de estar em uma realidade tão imensa, capaz de nos trazer as imagens do terror antigas.
Entre as virtudes cardinais tomistas quero lhe oferecer, meu herói, a fortaleza. É ela que nos assegura a firmeza nas dificuldades e a constância na procura do bem. Ainda irei rever o movimento afetuoso dos seus lábios demonstrando a superação do mal.

18 fevereiro, 2014

Tânatos

Parecíamos dois ingênuos corpos em movimento até eu desacreditar na esperança. Lá adiante teremos mais provas sobre dada fraqueza.
Minha vontade era de abraçar o travesseiro e não largá-lo enquanto houvesse inquietações em minha mente. Vovó já alertava sobre os riscos de não dormir bem, mas ela nunca me explicou como deveria ser esse bem.
Houve emoção em cada palavra. Sempre há de nossa parte. Como é prazeroso quando as amadas pessoas conseguem com simples termos dar ânimo às vontades particulares enfraquecidas pelo roteiro dramático da vida humana.
Queria ter me esquecido da infância, ao menos não precisaria mais daquele colo maternal para poder me confortar em momentos quase desesperadores de minha jornada.
Queria poder negar os instantes que gravei em minha memória após ter sido afetado pelo amor de vovó em seu colo.
Desejo de todo modo que a vida não procure mais ser ceifada de meu corpo, pois a força que possuo está gradativamente sendo acidentada.

Bastemo-nos de reclamações e voltemos a admirar a poesia. Somente a fantasia poderá nos revigorar.

17 janeiro, 2014

Desterro

Fomos criados para pertencermos a tantas coisas. Não seriam coisas, mas situações, contudo. Momentos intermináveis em companhias agradáveis e instantes tão supérfluos ao lado de desconhecidos. O que sempre almejamos, mesmo para o bel prazer, pela satisfação de sermos notados por alguém declaradamente próximo, é a incerteza de nos pertencermos e pertencermos aos outros. Pertencimento não é uma escolha tão fácil e pasmemo-nos: nunca será, pois as decisões nos desenergizam de maneira quase absoluta. Atribuímos qualidades desconexas para a natureza humana e sequer pesquisamos o outro profundamente. Formulamos desenhos, esboços e cálculos para reflexões infundadas, haja vista que o horizonte da dignidade paira além do natural. Sorrimos mais para dentro porque ao nosso redor substituímos verdades passadas. Quase verdades, exclamaríamos. Aguardamos pacienciosamente declarações de pessoas caracterizadas por suas falas e pouco por suas ações virtuosas. Valemo-nos de competições e apimentadas conversas acirradas. Testamos a dignidade o tempo todo: a alheia, provavelmente. Suplicamos desejos que jamais se revelarão. Pretendemos vontades eternamente idealizadas. Seria a dignidade alheia tão vorazmente mastigável que não é possível admirá-la, mesmo sabendo, que pelo resto de nossa existência, inexistirá o retorno? Ao som de Frédéric Chopin, prelúdio em E-Menor, ópera 28, número 4, encerramos, cônscios de nossas emoções.

03 janeiro, 2014

Um sobre mim


Indivíduo mais louco, nunca vi ... Mais irônico, mais sarcástico, mais "Fantástico !"... Nunca vi...


Você mostra as pessoas a realidade, de forma tal que é "como é que se fala isso em português mesmo?"... Impossível dizer a emoção que você faz seus alunos sentirem em suas aulas.


Isso não é coisa de um simples ser humano, é coisa do André ...
Alunos que sempre estarão a te admirar... como a mim... Nunca vi... 

Desculpe te tratar como professor, mesmo fora das salas de aula, mas para mim ser professor é como ser um Deus... Deus do conhecimento... E é isso que vejo em você, alguém cujo conhecimento é voltado para fazer com que as pessoas saiam da ignorância... 

Entre muitas frases sobre você, quis mostrar o quão importante você é em minha vida... Um muito obrigado, de um alundo eternamente agradecido, por ter me apresentado a melhor coisa existente na vida... a arte do pensar e do saber.

H. S. L.