01 dezembro, 2014

A terra



Raro ouvir uma declaração sobre a terra, talvez o poeta que “nasceu pra passarinho” seja o único representante literário de defesas como essa. Mas por que pensar que a terra seja o elemento inútil? Eu vou procurar decifrar essa matéria, pretensiosamente.

Os primeiros interlocutores me disseram que a terra é desimportante porque está abaixo de nosso horizonte visual. Como não se fez o humano os olhos no pé, então é mais certo crer que não há importância o baixo.

Depois, o segundo grupo tentou me convencer de que a terra é suja e por essa razão não haveria necessidade de apreciá-la. Relutei em querer desaprovar o argumento, mas ele existe.

Percorrendo outras mentalidades, o terceiro grupo pretendeu me surpreender afirmando que a terra é maleável e sem forma definida. Com o passar dos anos as dunas, por exemplo, não permanecem na mesma dimensão. E constantemente se estendem voluptuosamente pelas regiões distantes nos braços do vento hiperativo.

Inconformado em encontrar apenas um, mas letal defensor do elemento terra, ainda me encontrei a memorizar a quarta inconformada opinião: a terra nos é inútil por causa de um aroma que não remete a ninguém e ao nada. Não é possível classificá-la pelo simples entender: quem ao rolar na terra, mesmo por diversão, após se levantar não procura imediatamente a limpeza. Quem se importaria a permanecer exalando o inexistente aroma de terra? Por que se é possível quase imediatamente limpar as partes do organismo e ficar cheiroso após uma ducha bem ofertada?

Mesmo desanimado continuei advogando uma paciência para receber delicadas palavras que pudessem acalmar minha angústia pela defesa da terra. E quanto menos esperava havia me deparado, novamente, com mais uma desonrosa situação contra a terra. O quinto grupo declarou com sorrisos na face de que a terra é muda. Conforme vão se movendo os seres superiores, ela, a terra, não expressa sons. Palidez sonora seria uma benção. Não, ela é fatidicamente muda e sem mais.

Gozado, pareciam sentenças dotadas da mais pura verificação científica. Comprovações inquestionáveis. Decisões unânimes.

Não satisfeito decidi me importar com o mais nobre dos seres superficiais, o humano, e por bem-aventurança descobri que é a terra, mesmo sem ser alvo dos olhos, que sobre ela as pessoas se encontram; que por mais insosso seja seu sabor é sobre ela que as pessoas demoram horas apreciando beijos com apimentadas mordidinhas; que além de ser volúvel é sobre ela que as casas rígidas são construídas e podem abrigar os mais afetuosos e sinceros abraços apertados; que por mais desorvalhada seja sua fragrância em mais ínfima espessura, é nela que o puro verde das plantações aplana os fogosos amantes e, por fim, se por menor parcela de sentido seus ruídos não embalam ritmos, é somente por ela que se contam os passos dados a dois em um frenesi de movimentos inconstantes.

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