31 março, 2010

Fora de pauta



André Luiz Martins Pereira (1)
Claudia Regina da Silva (2)

Esta semana uma matéria foi publicada por uma revista de tiragem semanal sob o título "Ideologia na cartilha” (31 de março de 2010), tecendo inconsistente crítica às disciplinas de Filosofia e Sociologia, recentemente implantadas nas escolas brasileiras, taxando de obsoleta e ideologicamente comprometida a inserção de tais matérias pelo Governo Federal. Desnecessário ter estudado Teoria Social, disciplina obrigatória nos cursos de jornalismo, para saber que é mais uma tentativa desse veículo midiático de incrementar sua indiscreta postura elitista e vender notícias.
A matéria expõe a aplicação da Sociologia e da Filosofia no ensino médio brasileiro. Explica, segundo o jornalista, que mesmo existindo as diretrizes do Ministério da Educação, muitos Estados Federativos fizeram seu próprio currículo, incorrendo assim em conteúdos “rasos”. Certamente, isso pode ocorrer, mas não de forma generalizada como quis transparecer a reportagem, desacreditando da funcionalidade dessas disciplinas.
Tomemos como exemplo a violência urbana. O mesmo pânico causado por ela é generalizado no país; entretanto os nortistas não trafegam por entre morros nos quais os chefes do tráfico de drogas entram em conflito armado para permanecerem no poder local, o que não descarta que aqueles não sofram outras ameaças devido a conflitos de outra ordem.
Tal abordagem passa por uma necessária percepção crítica a qual a Sociologia se propõe. O mesmo exemplo, tratado sob o foco das Ciências Sociais, pode ter seu ancoradouro na disciplina de Filosofia, que entenderá neste caso, os valores morais que circundam o fenômeno, estudados sob o prisma da Ética.
O jornalista situa alguns exemplos desmerecedores sobre a inclusão das novas disciplinas, podendo destacar o seguinte: no Acre, segundo ele, “uma das metas do currículo de sociologia é ensinar os estudantes a produzir regimentos internos para sindicatos de trabalhadores”, e opina - “verdadeiro absurdo”. O autor questiona uma prática pedagógica sem contextualizá-la, o que impede maior aprofundamento analítico, contudo faz-nos pensar sobre o papel inverso que se deflagra, sobretudo em escolas particulares: a reprodução de conceitos elitistas e consumistas. Valores, largamente discutidos pela Sociologia e Filosofia.
Se por um lado há uma preocupação com a “cartilha panfletária” como apregoa o texto, há por parte de educadores comprometidos, a reflexão sobre atitudes empregadas pela ideologia liberal, pois que tem formado uma cidadania capenga de jovens politicamente acomodados e apáticos com a realidade social. Pior ainda, é ver a escola reproduzindo tais valores quando um estojo de grife ou um tênis da moda (legais ou pirateados) passam a ser determinantes no espaço escolar.
A matéria ainda continua desfilando sua oposição, diz que a Sociologia como a Filosofia estão recheadas de ideologia de esquerda e “conceitos rasos”, aproximando o Brasil de outros países latino-americanos e distanciando-se dos países avançados. Vale ressaltar que, embora não mencionado pela reportagem, países avançados em Educação formal, segundo o IDH, são a Finlândia, Suécia e França. Nesta última, o contato com os estudos sociológicos ultrapassa as horas propostas pela grade brasileira.
O que se verifica na leitura dessa reportagem-artigo é a existência de um temor explícito pela crítica à sociedade capitalista, empreendida pela ideologia socialista e sua influência tanto na formação dos profissionais da Sociologia e da Filosofia quanto de sua aplicação conceitual nas escolas pública e privada. Verdadeiro equívoco, acreditar que um professor, ao expor a teoria marxista estaria abalando os vértices do capitalismo. Outros sujeitos sociais têm aclamado tal discussão: basta ver o empenho e critica dos ambientalistas por uma sociedade economicamente sustentável e menos desigual.
Adiante!
O que o jornalista pretende é deslocar a atenção de uma nova postura educacional, válida, inclusive em outros países, sendo desenvolvidos ou não, para o retorno em sala de aula a uma metodologia conteudista e acrítica, contrapondo-se claramente ao que normatiza a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). O receio que toma os editorias desses comerciantes midiáticos é uma previsão clara contida nos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) para a Sociologia e Filosofia no ensino médio.
A metodologia de ensino tradicional já provou não ser capaz de ajudar a compreender e resolver os fenômenos sociais e morais do país. Procurando descredibilizar a inclusão dessas disciplinas que possam ser ferramentas para tal propósito, é estar na contramão da cidadania e do fortalecimento dos valores humanos, e que as instituições escolares podem tão bem contribuir, assim como a mídia, que parece esquecer-se desse compromisso.
Em tempo: respondendo a ironia do jornalista a respeito da biografia do pensador Rubem Alves (Rubem, quem?), lembramos o que dizem os alunos: “Joga no Google que você acha”. O que infelizmente não foi possível ao procurar o nome do referido jornalista Marcelo Bortoloti. Marcelo, quem?
(1) Sociólogo e Consultor Empresarial
(2) Professora de Literatura e Produção de Texto

30 março, 2010

Personagem - Marcus Moura

a André Luiz

Há um personagem invisível em todas as minhas narrativas. Ele é um tanto cubista, quanto hermético. Ele só se permite descrever pelo que diz. Não ouso narrar seu corpo, sua história, seu psicológico. Ele não me permite. Aparece, diz algo e se vai. Desvanece da mesma maneira que apareceu. Ao terminar um texto, releio e ele está ali, impassível, invazável, instransponível. Junto os ângulos e nada se forma. Hermético e cubista.


Reli todos os meus textos a fim de defini-lo, achá-lo, determiná-lo, mas não consigo, sua indizível presença sempre se faz ausente no fim. Vou entendo-o, e quando penso que tenho alguma conclusão sobre, me sinto no vazio do não ser novamente. Ele vem e mais uma vez pisca, sorri aquele sorriso inconfundível que só ele tem. Mofa da minha falta narrativa. Sorri para minha incapacidade de flagrá-lo no salto que procede em minhas histórias noturnas.


Assim, vou me trucidando aos poucos, com vontade de achá-lo totalmente. Ele seria o ser a quem procuro há tanto tempo? Viajo sempre por lugares nunca antes transpostos e sempre o tive aqui, dentro de minha própria palavra, minha linguagem encenada? Ele não vai aparecer nessa narrativa, não o permito. Já tomou por demasiado meu verbo, meu destempo, meu ressentimento. Tenho raiva dele, quero vê-lo fora de toda expressão poética a que me proponho. Mas não posso. Tenho medo. No final, será que ele vai me oferecer a pérola que tanto busquei nessa viagem que procedo de norte ao sul do meu corpo? Silêncio.


É ele. Mais uma vez apareceu para me descentrar, desconcertar, desconstruir. Sorriu, entortou a cabeça daquele jeito especial e me ofereceu os braços. Me aproximo, creio que não percebe minha irritação. Abracei-o e lhe beijei o pescoço. Tinha vontade de mordê-lo. De ver seu sangue jorrando por todos os lados me banhando, e, finalmente, me mostrando o que havia de mais íntimo do seu ser impegável.


Contive-me, somente beijei seu pescoço, meus lábios se ergueram num sorriso simples. Por que não vem comigo? Não me aceita? Não se revela? Dê me um pouco do que eu preciso. Do que eu desejo. Me retire desse turbilhão enfurecido que toda a minha existência se tornou. Salva-me. Meus olhos demonstram o sentimento que expresso por palavras? Só ele poderia dizer, porém não o diz, nem mais sua voz se faz presente. Já se foi como sempre vai. Para aquele reino onde reina intocável.


Não tenho mais forças para prosseguir. As palavras me faltam, por sua falta. A raiva passou, agora, fico a espera de seu próximo retorno, de seu próximo sorriso. Só que ao invés de um abraço, forçarei um beijo na boca. Não posso ter seu sangue em meu corpo, terei pelo menos um líquido íntimo em mim. A saliva há de me revelar o que desejo? Será dividido comigo metade daquele segredo?


Fico a espera, por favor, retorne!


Postado originalmente em http://marcusmoura.blogspot.com/search/label/homenagem, em 19 de janeiro de 2010.