02 março, 2020

O nome delas

Por muito tempo, na verdade por todo o período que compreendo pela razão sobre a minha existência, eu me incomodo com meu sobrenome. Não necessariamente, apenas, contra o sobrenome, mas com o ritmo que ele dá e a sonoridade incabível em conjunto com o meu nome.
A história já se inicia nefasta e desafortunada porquê não fui eu quem o ritmou - penso mais que seja por uma questão de sonoridade que de ritmo, mas manterei aquele primeiro - e tão menos poderei alterá-lo: é que a lei dos homens excepcionam a mudança e a minha situação não se faz regra.
Verdadeiramente, o primeiro incômodo foi ser retirado do útero e ter sido depositado em um berço sem realeza (o que antes na adolescência incomodava mais). Por vezes, reclamei, apenas para mim, sobre a questão. Minto! Havia comentado com um ou dois sérios colegas de convívio, nada muito profundamente.
O segundo ponto é que minha mãe deu a minha tia, irmã de meu pai, a oportunidade de escolher o feito, e assim o fez: contam que era por causa de um mentor espiritual ou que poderia ser em razão de um personagem novelístico na época de meu nascimento - um gajo muito garboso, comentaram. 
O fundamental ponto, contudo, é que o nome completo não se alinha! Demônio!
Ele se faz, quando chamado por inteiro, harmônico, mas, infortunadamente, quando separado parece uma tirania de gritos e resmungos. Para completar a inquietude, ainda possui em dupla de títulos: são dois nomes e dois sobrenomes. Apesar de não ser uma chamada original, não é penetrante aos ouvidos mais sensíveis a ponto de perturbá-los: "é só um modo de falar", haviam me alertado. Ninguém comenta em uma trivial conversa o título completo de uma pessoa física! Sempre aos pedaços ou por cognome. Ali outra perturbação: nunca se referiram a mim e muito menos por minha permissão por apelidos, o que demonstra a minha aptidão em ser nomeado pelo que foi registrado em cartório mesmo.
É um sentimento de não pertencimento, não sabe?
Anos preocupado em como eu poderia me apresentar, surgiram opções. Todas derivadas e comentadas, criticamente, dentro de minha mente, com suas respectivas emoções. Lá vão!
Opção primeira: usar os dois nomes e o seguinte sobrenome. Fica grande e sem sonoridade. Deprimente. É como se a pessoa corresse e quando estivesse com a máxima velocidade o espaço se acabasse. Ponto.
Opção segunda: usar os dois nomes e o último sobrenome. Incompleto, mas forte. Mesmo assim não me parece adequado para uma apresentação formal, sabe? Um nome de autoria de obras clássicas. Não que meu nome seja de representação antiga, apesar de sua origem ser deveras arcaico. Mas o som, entende? Traz um humor de antiguidade e minha aparência ainda reluz jovialidade.
Opção terceira: o primeiro nome 

Aprender a beijar

De todos os aprendizados que me ofertaram o mais incrível que não consegui, ainda, apreender foi beijar. Beijar... Beijo já começa com a segunda letra do alfabeto. Nada demais até ai. Com o tempo, e com a perda do envergonhamento juvenil, começamos a beijar bochechas com mais ênfase. Concordo com os críticos de que beijo desavergonhado é melhor, contudo, não me satisfaz. A envergonhação intimida até os mais bravos.
Certa vez percebi, conversando comigo mesmo, que beijo desajeitadamente. Até ai nada demais, também. Aprendi a coordenação motora, sei caminhar sem tonteadas. Consigo ficar por poucos minutos com uma perna só. Sei olhar com atenção e presteza as características de quem (ou do que) me afeta. Sei até “pisar em ovos”, como dizem os mais humorados, mas, infortunadamente, não aprendi a beijar.
Ouvi muitos clamores dos inebriados por aventuras românticas de que o beijo, só por seu ato de realização, elevaria as sensações e se bastaria. Bastaria...
A quem se basta? Ao patético desafortunado que mal consegue chupar umas laranjas? Ao ridículo que deseja os lábios de alguém que não lhe deposita ao menos uma piscadela? Ao esdrúxulo casal, em banco carcomido da praça, envolvendo-se em prisões desnecessárias a um espetáculo grotesco em frente à população invejosa? Ou a você que nunca permitiu ser beijado (a) com afinco?