21 setembro, 2016

A sentença

Sabe o que é deprimente? É estar aqui em frente ao computador olhando suas fotos. Fotos que antes eu admiraria gratuitamente. Sem pressa. Por minutos. Comecei fitando seus olhares e reparei que eles se apresentam tão mórbidos agora, como nunca antes eu havia visto. Ao som da música de Mercedes Sosa, Todo Cambia, e o pensamento focado em sua imagem, nada além de sorrisos e olhares mórbidos consigo enxergar. Por quê?
As pessoas possuem ainda muita esperança em suas ações. Ações várias vezes descoordenadas e, talvez, não planejadas. Mas eu? Justamente comigo? O que foi que eu fiz então pouco tempo ao seu lado? Como queria me atingir e acabou arruinando tudo o que eu sentia por você? Como um prédio em demolição, eu não consigo mais amar você. Eu não posso mais amar você!
Quantas vezes eu pensei, por dias e semanas, quão bons seriam os momentos ao seu lado, como amigo. Sinceramente, amizades hoje em dia não são comuns. Era para estarmos conversando sobre a vida e não contemplando algo um do outro, como se fosse artimanha para inflar egos. Antes, muito antes de não nos falarmos no Parque eu me culpava. Sentia pouca coragem em querer entender aquele sentimento que me atingiu e rapidamente me endoidou. Fiquei confuso, claro. As relações humanas estão sempre em movimento. Eu me permito estar sempre em movimento. Mas você? O que fez, fugiu! Fugiu como uma pessoa insegura. Eu entendi, mas... faz anos e eu tive que refazer. Até quando apenas uma margem do rio é assaltada sem se desfazer? Entretanto, quando menos eu imaginei estar vulnerável, você e o seu movimento já estavam em minha órbita. Eu não estava na órbita certa ou até mesmo no modo de pensar sobre minha órbita, que muito me caracteriza: pretender ser justo. Tudo bem, a vida tem mais baixos que altos. Mas eu? Novamente a história se repete? Por quê?
Fiquei impressionado com seu crescimento, ao menos em foto me pareceu inatingível. Como poderia tão jovial ser sempre estar disposto, sozinho ou ao lado de pessoas a mim tão desconhecidas, sorrindo perfeitamente? Ah, sim! Eu tenho que confessar para que haja o mínimo de interesse: o seu sorriso foi o mais belo que eu já vi. O que isso importa agora, não é? Ser alguém sincero em dias como os atuais não significa nada, absolutamente nada. E depois? Veio a viagem e não nos encontramos mais, como amigos, como sinceros amigos. Você acha que eu estaria apaixonado por um belo presente sem ter percebido o seu conteúdo?

Pois é, sim, você me surpreendeu, admito, novamente. Eu não entendi muita coisa na hora. Estávamos inebriados e você falava soluçando. Eu tentei recordar do passado que me foi muito caro manter até hoje, justamente porque amigos guardam e não desistem um do outro. Você desistiu de mim uma vez. Essa é a segunda e, para mim, a última vez. Você me entendeu? É a última vez que você desiste de mim. Como ouso a ser o centro? Não se trata de mim agora. É sobre você. Quer mesmo entender? Claro que você não quer entender, nem respondeu minha mensagem. Sou objetivo em algumas procuras e mensagens e dessa vez fiz sem muita emoção porque me parece que nesse mundo a água do vaso de nossas flores secou e a planta parece murchar ininterruptamente.
Não estou aqui para falar apenas de nós. Na verdade esse deve ser o centésimo texto que eu escrevo e depois excluo. Eu sempre preparo uma fala poética sobre você e o quanto, na verdade, eu odeio você. Creio que hoje consegui, apesar de pouquíssimas palavras. O sentimento ainda é pulsante. Não sairia por ai, contudo, para atingir sua integridade moral. Sabe de uma coisa, eu respeito a integridade moral dos meus amigos. E você? Aprendeu o que comigo? A ser um perpétuo egoísta? Foi isso que você aprendeu comigo? Não e vou dizer mais: odeio saber que estou na sua história de vida e você aprendeu errado. Como eu queria ser meu próprio juiz e sentenciar irrevogavelmente sua saída da minha mente e com ela todo o carinho que por esses anos devotei a você. Devoção, sabe o que significa? Vou cuspir a todo momento em que eu me lembrar de sua face. Tenho horror a pensar que, justamente você, rompeu mais uma vez a linha e ousou me enfeitiçar com sua presunção, egoísmo e fraqueza. Desejo profundamente conseguir retirar todas as palavras que proferi a você, mesmo quando eu era um profissional. Suma da minha vista! Eu gritaria por minutos em frente ao seu patético sorriso. Faria questão de vê-lo mais uma vez, apenas para essa ação. Como eu queria ter forças para realizar essa fala.
Você foi o motivo pelo qual eu me enganei, novamente, pois, erroneamente, fiz de você um marco importante em minha existência. Tratei de viver em meu trabalho diferentemente do que pensava. Um homem antes e outro depois de você. Pude perceber que eu não deveria ter me ofertado a essa bela imagem que eu criei sobre você. Porque não merece sequer que eu pronuncie o seu nome. Tenho raiva a cada instante que se passa e você, sem hombridade e honestidade, as mesmas que eu desde que lhe conheci ofertei, não respeita a minha dignidade e se disfarça na cretina face do silêncio. Por que não me respondeu? É tão superior que ultrapassou os limites do autoconvencimento? Suas palavras são verdadeiramente falsas a ponto de não saber mais se esconder atrás dela, depois que me revelou quem realmente você pretendia ser? O mundo um dia saberá quem você é e eu estarei em minha poltrona, bebendo meu scotch caro assistindo sua ruína. Eu ainda terei tempo para perceber o mal que eu deveria ter desfeito anos atrás.
Eu não mereço conviver com essa lembrança que agora se tornou oca, desforme e imperiosamente desenxabida sobre você. Eu não sou digno de me refestelar nos braços da dúvida para tentar entender porque me abandonou e me doa a distância de suas imperiais palavras. Sádico! Corroo-me por dentro e o que você expressa: nada. É isso que terá de mim e você sabe que não consegue conquistar além de paisagens artificiais de pessoas boas, pois você é oco. Quem é oco assassina o próprio bem em nome da vaidade, não se despede como verdadeiro homem e covardemente se esconde atrás o ego inflado.
Acontece que o mal é uma escolha infrutífera, mas definitiva. Antes que eu consuma o homicídio de sua imagem em minha mente, terá até a data de um mês após o início do solstício de inverno, do ano que vem, para me olhar nos olhos e me relatar o que aconteceu. Quero suas últimas palavras honestas, se assim puder, depois de declarar-me seu exemplo. A sentença está escrita em cima da minha mesa. A assinatura dependerá de sua atitude futura. O tempo nunca esteve ao nosso favor. Talvez seja esta a minha última lição que poderei lhe ensinar.

Como nós dois saberemos: será a hora de nos enterrarmos, definitivamente?