Foi uma sensação extasiante, de
repente! Pensei naquelas horas quando em São Paulo, anos atrás, ocorreu o
encantador encontro. Pensei naquele ano que nos reconhecemos abaixo do MASP.
Que aroma! Era tarde, nublada,
claro, mas estávamos em São Paulo. Juntos pela primeira vez. Ousaríamos? Aquele
sentimento de surpresa a qualquer momento elevava-me. Carros e pessoas
atrapalhavam minha espera. E daí? Eu não era deles mesmo. Era tarde e com luz
adequada. Como se Deus, Iemanjá e Buda quisessem que o retrato estivesse bem em
cores e sons.
Não esperava apenas uma pessoa,
eu esperava você! Inexistiam despropósitos, apenas visões. Desliguei-me do
tempo cronológico, já não tenho memória para saber se houve ou não atraso. E
quem se importou com o horário, não é? Tanto fazia, pois problema algum
aconteceria. Inconveniente algum aconteceu! Eu só desejava conversar entre
prédios e constâncias humanas. Poderíamos sentar em cadeiras de madeira num bar
entre a Teixeira da Silva e a Treze de Maio. Imaginei muitas situações. A
principal seria como eu me apresentaria. Expressaria sorrisos juvenis!? Como eu
mais amadurecido me comportaria como criança? E os olhares, como seriam? E as
falas, adequadas? Deveriam ser dadas em harmonia com os movimentos do corpo,
não? Ficaria aguardando o momento exato para intervir? Que momento? Que certo? Quando
certos? Éramos nós mesmos, sem travas, apesar de desconexos. Isso foi culpa de
conhecidos em comum acordo em antiga rede social. Como pôde acontecer? E
aconteceu!
Ali estava eu encurralado e com
vistas para a Praça Geremia Lunardelli. Ventava, suavemente, eu lembro. Ansioso,
conforme os transeuntes se embaralhavam no percurso das calçadas, não saberia
em qual das direções se apresentaria. Poderia ser pelo norte, leste ou oeste...
Mesmo assim estava a respirar sem sofreguidão. Tentei decorar todos os movimentos
ao meu redor para poder dar cortes adequados à memória. Como seria seu
semblante lançado a tantos rostos desconhecidos? Endurecido pelo pouco contato
com o movimento desenfreado dos paulistanos ou dócil como se esperava do lado
no qual nasceu? Havia pretendido não criar expectativas, mas...
Poderíamos percorrer toda a
extensão da Consolação sentido República. Certo estava que nossa direção era o
acertado encanto. Não choveu, somente esparsas aparições solares. Dirigir até o
Museu da Língua Portuguesa foi como flutuar entre folhas em pasto amplo e sem
curvas. Ao adentrarmos o edifício havia mais que felicitações, havia Lispector.
Como poderiam os deuses acertarem novamente a nossa temperatura? Fizeram-nos dois
amantes dessa literatura. Os olhares, depois os cumprimentos iniciais, a rotina
ao nosso entorno e agora a literatura que aspirávamos... intensos todos como
Lispector. Naquele momento surgiu em mim o inconstante e surpreso. Planejei o
ideal e ele se doou a nós voluntariamente. Incrivelmente destravei-me. Tomei-me
por nós. Entramos. Faltavam poucos minutos para o encerramento e como que
empurrados às celas, paramos em um orbitário lispectoriano. Era uma constelação
de estrelas que se misturava com um enredo de dizeres de Lispector. Não nos
cansamos de, entreolhares, dizer à literatura a nossa vontade: universos, o meu
e o seu, vivificamos para o sempre a completude sem egoísmo. Saímos quase
correndo do prédio e nos deparamos, novamente, com a rotina, ainda empedrada e
sem gosto. Ah! A quem interessava senão a nós mesmo nos embalarmos até o bar. E
já acomodados em poltronas do bar da Associação dos Amigos do Museu de Arte
Moderna de São Paulo deliciaríamo-nos em dizeres autorais. Sem vergonha e
pudores, mas nobres em orações. Havia ritmo, não? Houve conexão, não? O
movimento lá do outro lado das janelas não nos valia mais. Invalidava a
ansiedade. O que nos separava até aquele momento eram as Federações e agora
estávamos lá! Sentados a espera de nós mesmo, unicamente.
Como Cronos é um deus invejoso! O
tempo passou rapidamente e desde o momento de nosso encontro até aquela
empática duração sufocamo-nos em sorrisos. Verdades ditas banhadas à
sinceridade enquanto acomodados em poltronas, ouvi em meu direito ouvido uma
provocação. Cegou-me e “voilá”! Já sabíamos a medida. Foi dado o comprimento de
nossa façanha. Descobri pela primeira vez que o encanto não é gratuito e quando
ele nos aborda é difícil derrotá-lo. Por essa razão escrevo! Para que o
universo possa quando nos ler restaurar em mente a originalidade do encanto,
invejável a qualquer escritor de contos. Foi dele, o universo, a conta que nós quitamos.
Desenxabido, degustou os melhores sabores, aprovou as mais intensas palavras e
respirou o desejo de modo irreparável. Danado universo aproveitou-se da comunhão.
Repete para mim a provocação até hoje. Extasio-me,
porém não me paraliso. Apenas guardo o deleitável retrato que se emoldurou em
ardor no peito.
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