03 novembro, 2014

O colecionador

Criei minha razão em si.
André Luiz Martins

Ele não era arrogante. Possuía uma pose de mandão, sisudo, claro! Pouco expressava dizeres de compaixão, entretanto. Somente sorria quando socialmente estimulado. Não havia dor, muito menos desprezo, aparentemente. Apenas ele em si. Um ele que mesmo em derivadas afetuosamente determinadas passou a ser entendido como mole, e, por diversos aquedutos diários a sua transposição se dava de maneira sólita.
Resmungão dos resmungos dos outros: “Você não deve falar assim, as coisas mudam sempre e quando nós menos aguardamos!”; “Já deveria ter notado que sua ideia antes não condiz com o seu sentimento hodierno!” e completava “O tempo é a nossa mais deliciosa criação.” Admirava a sincronia do universo. Pobre homem!
O erro estava em outras partes de humanidade que eram reduzidas, enfraquecidas, desonrosas, desenxabidas e frágeis. Altivo, belo aos olhos alheios, ele assim era enxergado. Desejavam-no porque ele sabia provocar. Esse sempre foi o seu maior destaque: voluptuosidade. Não era para menos! Tornava-se mais individualista a cada elogio que era desferido em seus ouvidos: “Belo!”, “Intenso!”, “Esperto!”, “Humorado!” habitavam a jornada auditiva do moço.
E o infortúnio aconteceu, logo que completara 1/3 de vida: amargou-se para os afetos amorosos. A secura passou a percorrer suas artérias. Os órgãos pararam por completo. Surgiu o vazio e com ele o pânico. Imperceptível durante a gestação, mas anos depois voraz. Não se comprometia. Oferecia o silêncio envolto em um sorriso sedutor cujo conteúdo expandia-se pelo despropósito.
Nesse instante a dinâmica em vida tornou-se sem brilho, contraste e cor. Os reguladores se dispersaram. A vaidade se manteve, mesmo a míngua. O rubro cobriu seu leito sem pestanejar. Os diálogos com os amigos eram mais sórdidos. Pessoa alguma representava vontade. O desejo se tornou viral. A casualidade apenas nutria seu desespero ao repousar às noites. Noites insuportavelmente amargas. Alimentava, ainda, as mágoas passadas. “Por que!?” repetia freneticamente, às vezes verbalizava. Comungou histórias tristes de companheiros e mesmo assim continuou solitário, faminto por aconchegos e sórdido. Acumulava dizeres e mais e mais elogios. Sua flacidez era interior, pois, ao percorrer os paralelepípedos do desgosto, percebeu que algo o incomodava. Refletiu! E, através de esforços pessoais inimagináveis para pessoas de boa fé, tentou reconhecer mais afetos. Mais uma vez, e mais e mais e mais vezes. Tentava! E, retornando para o antigo, reafirmava a dor e cristalizava um átrio. Parado, o órgão não conseguia movimentar o líquido que o sustentava. Depois, tentou novamente e esse ciclo de abre-e-fecha emocional o entediou. Cansado, defronte a possibilidade de encantamento como aquele lá da antiga possibilidade desfeita, cegou-se emocionalmente e nem notou. Em dada noite, atendeu ao chamado do envolvido, respirando calmamente e com voz de quem não quer apunhalar se despediu. Colocou-se novamente a caminho do destruidor de histórias em plural: abraçou o tempo.
Enfurecido, escreveu-me dias atrás: “Revivi nesses últimos meses, a minha maneira, o que fui há anos graças a sua frouxidão. Eu preciso me desfazer desse vazio. Alcance-me, por gentileza.”

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