21 novembro, 2016

Sonhemos!

A cada dia pareço estar mais disposto aos sentimentos nietzschianos. Cada minuto se apresenta necessário porque a cada minuto eu preciso mais e mais dos humanos. Um dos meus dias menos favoritos é o domingo. Domingo, para quem não está em ofício, é dia de preguiça. Ouvir música, sair com os familiares, tomar tereré em frente à casa com as amizades, paquerar pelas redes sociais e vivenciar a procrastinação.
Certo domingo, após realizar um dos meus sonhos: homenagear uma mulher muito amada, estive prostrado diante de outro bom desafio: desafiar meu tempo livre e ressignificar o domingo.
Ao som de pássaros eu me entendi novamente frágil. E o que me faltava? Era o toque. Toque, toque mesmo. Toque para meu entendimento é o ato mais necessário que o humano pode promover. Muito antes da respiração. Nós antes de nascermos estamos imersos dentro de nossas progenitoras e nem respiramos ainda. Toque é o verdadeiro motivo para nossa sobrevivência. O toque de quem e para quem se demonstra o amor é essencial. Eu só preciso de um abraço bem apertado e um dedilhar de dedos no cabelo. Parece improvável para os próximos anos, contudo.
Cedi à tristeza, mais uma vez. Ela se certificou que dessa vez iria permanecer mais que horas em minha companhia. Pesquisou sobre mim mais detalhadamente. A danada se mostrou mais astuciosa. Determinada, causou-me o primeiro desânimo: o sorriso não apareceu mais como antes. Após alguns minutos de descanso, ela insistiu em me derrotar de vez.
Consegui abrir os olhos com extrema dificuldade. As memórias da homenagem recomeçaram e eu pretendia o mais rápido possível repeti-las para meu deleite. Bobagem! Sentei-me, mesmo sozinho, em frente a mim. Percebi que faltava algo e pedaço considerável de meu coração alertava para o que realmente era. Quanto vazio a ausência provoca! É natural não sentirmos por não termos vivenciado, mas por que tamanho projeto divino mal feito?
Faltava, mas apenas faltava espaço. Redescobri que eu amo os domingos porque a existência se realiza durante toda a sua duração. Redescobri que no sábado (dia que eu sempre amei) anterior eu havia me deixado inundar com as emoções de ter realizado em conjunto um obra de arte: um peça teatral.
Para quem não se familiarizou ainda com o teatro perde-se em humanidade. É apenas um conselho, bem doado.
Por mais que eu tenha perdido parte do meu coração no passado eu soube, mesmo desenxabido, de que um belo sonho realizado é um ato que se vive apenas uma vez. Sonhemos!

21 setembro, 2016

A sentença

Sabe o que é deprimente? É estar aqui em frente ao computador olhando suas fotos. Fotos que antes eu admiraria gratuitamente. Sem pressa. Por minutos. Comecei fitando seus olhares e reparei que eles se apresentam tão mórbidos agora, como nunca antes eu havia visto. Ao som da música de Mercedes Sosa, Todo Cambia, e o pensamento focado em sua imagem, nada além de sorrisos e olhares mórbidos consigo enxergar. Por quê?
As pessoas possuem ainda muita esperança em suas ações. Ações várias vezes descoordenadas e, talvez, não planejadas. Mas eu? Justamente comigo? O que foi que eu fiz então pouco tempo ao seu lado? Como queria me atingir e acabou arruinando tudo o que eu sentia por você? Como um prédio em demolição, eu não consigo mais amar você. Eu não posso mais amar você!
Quantas vezes eu pensei, por dias e semanas, quão bons seriam os momentos ao seu lado, como amigo. Sinceramente, amizades hoje em dia não são comuns. Era para estarmos conversando sobre a vida e não contemplando algo um do outro, como se fosse artimanha para inflar egos. Antes, muito antes de não nos falarmos no Parque eu me culpava. Sentia pouca coragem em querer entender aquele sentimento que me atingiu e rapidamente me endoidou. Fiquei confuso, claro. As relações humanas estão sempre em movimento. Eu me permito estar sempre em movimento. Mas você? O que fez, fugiu! Fugiu como uma pessoa insegura. Eu entendi, mas... faz anos e eu tive que refazer. Até quando apenas uma margem do rio é assaltada sem se desfazer? Entretanto, quando menos eu imaginei estar vulnerável, você e o seu movimento já estavam em minha órbita. Eu não estava na órbita certa ou até mesmo no modo de pensar sobre minha órbita, que muito me caracteriza: pretender ser justo. Tudo bem, a vida tem mais baixos que altos. Mas eu? Novamente a história se repete? Por quê?
Fiquei impressionado com seu crescimento, ao menos em foto me pareceu inatingível. Como poderia tão jovial ser sempre estar disposto, sozinho ou ao lado de pessoas a mim tão desconhecidas, sorrindo perfeitamente? Ah, sim! Eu tenho que confessar para que haja o mínimo de interesse: o seu sorriso foi o mais belo que eu já vi. O que isso importa agora, não é? Ser alguém sincero em dias como os atuais não significa nada, absolutamente nada. E depois? Veio a viagem e não nos encontramos mais, como amigos, como sinceros amigos. Você acha que eu estaria apaixonado por um belo presente sem ter percebido o seu conteúdo?

Pois é, sim, você me surpreendeu, admito, novamente. Eu não entendi muita coisa na hora. Estávamos inebriados e você falava soluçando. Eu tentei recordar do passado que me foi muito caro manter até hoje, justamente porque amigos guardam e não desistem um do outro. Você desistiu de mim uma vez. Essa é a segunda e, para mim, a última vez. Você me entendeu? É a última vez que você desiste de mim. Como ouso a ser o centro? Não se trata de mim agora. É sobre você. Quer mesmo entender? Claro que você não quer entender, nem respondeu minha mensagem. Sou objetivo em algumas procuras e mensagens e dessa vez fiz sem muita emoção porque me parece que nesse mundo a água do vaso de nossas flores secou e a planta parece murchar ininterruptamente.
Não estou aqui para falar apenas de nós. Na verdade esse deve ser o centésimo texto que eu escrevo e depois excluo. Eu sempre preparo uma fala poética sobre você e o quanto, na verdade, eu odeio você. Creio que hoje consegui, apesar de pouquíssimas palavras. O sentimento ainda é pulsante. Não sairia por ai, contudo, para atingir sua integridade moral. Sabe de uma coisa, eu respeito a integridade moral dos meus amigos. E você? Aprendeu o que comigo? A ser um perpétuo egoísta? Foi isso que você aprendeu comigo? Não e vou dizer mais: odeio saber que estou na sua história de vida e você aprendeu errado. Como eu queria ser meu próprio juiz e sentenciar irrevogavelmente sua saída da minha mente e com ela todo o carinho que por esses anos devotei a você. Devoção, sabe o que significa? Vou cuspir a todo momento em que eu me lembrar de sua face. Tenho horror a pensar que, justamente você, rompeu mais uma vez a linha e ousou me enfeitiçar com sua presunção, egoísmo e fraqueza. Desejo profundamente conseguir retirar todas as palavras que proferi a você, mesmo quando eu era um profissional. Suma da minha vista! Eu gritaria por minutos em frente ao seu patético sorriso. Faria questão de vê-lo mais uma vez, apenas para essa ação. Como eu queria ter forças para realizar essa fala.
Você foi o motivo pelo qual eu me enganei, novamente, pois, erroneamente, fiz de você um marco importante em minha existência. Tratei de viver em meu trabalho diferentemente do que pensava. Um homem antes e outro depois de você. Pude perceber que eu não deveria ter me ofertado a essa bela imagem que eu criei sobre você. Porque não merece sequer que eu pronuncie o seu nome. Tenho raiva a cada instante que se passa e você, sem hombridade e honestidade, as mesmas que eu desde que lhe conheci ofertei, não respeita a minha dignidade e se disfarça na cretina face do silêncio. Por que não me respondeu? É tão superior que ultrapassou os limites do autoconvencimento? Suas palavras são verdadeiramente falsas a ponto de não saber mais se esconder atrás dela, depois que me revelou quem realmente você pretendia ser? O mundo um dia saberá quem você é e eu estarei em minha poltrona, bebendo meu scotch caro assistindo sua ruína. Eu ainda terei tempo para perceber o mal que eu deveria ter desfeito anos atrás.
Eu não mereço conviver com essa lembrança que agora se tornou oca, desforme e imperiosamente desenxabida sobre você. Eu não sou digno de me refestelar nos braços da dúvida para tentar entender porque me abandonou e me doa a distância de suas imperiais palavras. Sádico! Corroo-me por dentro e o que você expressa: nada. É isso que terá de mim e você sabe que não consegue conquistar além de paisagens artificiais de pessoas boas, pois você é oco. Quem é oco assassina o próprio bem em nome da vaidade, não se despede como verdadeiro homem e covardemente se esconde atrás o ego inflado.
Acontece que o mal é uma escolha infrutífera, mas definitiva. Antes que eu consuma o homicídio de sua imagem em minha mente, terá até a data de um mês após o início do solstício de inverno, do ano que vem, para me olhar nos olhos e me relatar o que aconteceu. Quero suas últimas palavras honestas, se assim puder, depois de declarar-me seu exemplo. A sentença está escrita em cima da minha mesa. A assinatura dependerá de sua atitude futura. O tempo nunca esteve ao nosso favor. Talvez seja esta a minha última lição que poderei lhe ensinar.

Como nós dois saberemos: será a hora de nos enterrarmos, definitivamente?

29 agosto, 2016

Garganta

Eu lembrei. Estive com dores na garganta. Acho que era o sufocamento. Bastou seu retorno para que eu arriscasse um pensamento audacioso. Qual? A de sentir a sensação que antes era de estar num colo afável e absolutamente preciso. A de aceitar sua dupla maternidade. Aquela mesma que me autorizava a ser um moço, apenas. Nada mais que um moço, mesmo com juízos.
Eu lembrei. As dores na garganta duraram a passar. Acho que era o desejo de declarar quanta falta me fazia sentir seus cabelos entre meus dedos, bem encostados a minha boca. Era como se estivéssemos abraçados. O seu duplo grau de comprometimento com o meu passado: eu e o meu outro personagem que via algumas vezes por semana. Nada mais que um profissional, mesmo com princípios.
Eu lembrei. As dores na garganta foram mais agudas dessa vez. Deve ser porque velo mais por suas palavras suaves que me acalmavam o corpo todo e seu olhar acalentador. A múltipla vontade de saber como estava o seu dia, suas noites de sono que eu jamais pude acompanhar. Nada além de uma forte alegoria. Imaginar o encontro de nossas peles despropositadamente.
Eu esqueci. Logo que nos reencontramos, vivifiquei a lembrança do seu sorriso, sempre modesto, mas insuportavelmente necessário. Acho que me viciei na forma dos lábios das pessoas e a minha maior felicidade seria... eu me lembrei, na verdade, da temperatura dos alimentos que não me satisfazem mais. Parece que minha boca está seca. Secaram-me. Eu sempre imaginei como seríamos daquele instante em que nos conhecemos até o meu fim. Acho que não me recordo se desejo morrer antes ou depois de você. Lembrei!
Assim como faltou luz para eu gravar seu rosto, naqueles dias, apesar de sustentar essa imagem sempre que sonho e lá aparece para mim, me faltou pausar o instante e pensar. Só precisaria ter me desfeito do contemplação e visto como você era. Acho que você me deixa assim, sem razões e ao mesmo tempo certo do que sou. Por mais que eu me recorde de todas as maravilhosas impressões que você me trouxe, o tempo forçará nosso distanciamento. Não me lembro de ter imposto a você minhas vontades, deve ser porque está com o incrível interesse em viver suas próprias escolhas. E eu amo esse seu jeito. Modo de quem precisa ser alcançado. Alguém que sabe aproveitar um passeio ao lado da liberdade.
Eu me lembrei. Acho que é porque eu sou imensamente apaixonado pelo seu movimento, da maneira mais poética, ao estilo de Camões. Eu me lembrei de ter que fechar os olhos e impor a minha débil mente de como era bom desobedecer as regras do médico, só para poder tomar sorvete, mesmo com as dores na garganta.

22 agosto, 2016

Permita-me (entre dois conhecidos)

Permita-me?
Não.
(Instante de perplexidade).
Pareço um estranho? Não entendi.
Certamente, não o é.
Que é isso? Por que me...
Isso o que?
Não estou acreditando, sério?
Todas as pessoas são livres.
Não é possível...
Assim, já o foi. Qual o problema?
Sua recepção. Não teria uma melhor?
Sarcasmo não combina com você, ao menos antes não era o preço que você gostaria de arriscar a pagar.
Agora vai reconhecer que me conhece...?
Claro que não. Apenas dou a você a chance de ficar mais embaraçado.
Posso? Eu em pé não permitiria melhor tortura.
Proponho outra sensação que não a tortura.
E o que deve ser?
Já não percebeu? Corra, será melhor para nós dois.
Interrompe o meu dia e eu estou maluco? Só vi que estava aqui e vim cumprim...
Já se lamentou? Agora poderá ir.
Para o inferno!
Sempre cumprindo o horário e a etiqueta, mas nunca a ironia.
Eu sempre soube que perfil de pessoa você é. Mal amado. Um verdadeiro desgraçado.
Obrigado. Porém convivo com pessoas que esperam sobre os resultados de minhas escolhas. Outra observação sobre mim? Se quiser continuar.
Diabo!
Essa não se encaixaria perfeitamente a mim. Teria que ter sido criado por uma divindade e ter contrariado o ego infantil dela. O que não é meu caso.
Repugnante...
Também não posso ser. Sempre elogiou minha beleza física e os cuidados que tenho com a saúde oral. Até agradecia o hálito fresco.
Mas fumava.
O que milagrosamente nunca percebeu.
Eu só posso odiar você, agora e pra sempre.
Cuidado! Quando estiver à beira da morte, se esta for natural, não esqueça se perdoar. O inferno não deve ser agradável.
Você nunca acreditou no inferno...
Muito menos no céu...
Então...
(Deixando os olhos do livro e fechando-o calmamente. Levantando os olhos em direção da outra face).

Eu não e eu nunca, você sim e você sempre. Adeus.

21 agosto, 2016

Antes

Nunca havia me espetado com espinhos, a não ser propositalmente. A árvore mais espinhosa que conheci era o limoeiro do quintal da casa onde morávamos. Ele não era alto, mas frutuoso grandiosamente. Creio que à primeira vista, a pessoa pela qual nos encantamos se apresenta eficientemente interessante e charmosa. Olhos penetrantes, assim como os frutos do limoeiro. O cheiro das folhas é como a palavra proferida afim de alcançar a atenção do apaixonado. Besteira! Se se permitir encantar é para poder esperar pela verdadeira atitude de um apaixonante: o espinho virá a qualquer momento. E virá! Não desencorajo alguém a me encantar, pelo contrário. Só não posso continuar a aceitar mais sangue escorrendo de minha carne e cicatrizes marcando minha pele por qualquer engano humano. Pois, só permitimos rastros em nós com o devido desígnio.

06 julho, 2016

Impossível

Olhe ali, novamente o danado se fez. Basta um sinal da paixão para o desgraçado aparecer com o cinismo típico enfiado na face!
Com as coisas do coração não se deve cutucar com vara curta. Onça é bicho mais dócil que o coração humano. O coração humano. Ele tem forma de lábios expressivos e hálito virgem. O coração humano tem pernas resistentes e mordeduras adequadas.
O coração humano tem cabelo sem volume definido. Voz menos rígida que o tempo e o vento do inverno. As mãos doadoras de afeto gratuito. Simpatia no olhar e entrega sem receios. Afinal, de nada valeria a dignidade humana sem o disfarce da plenitude do coração. Por mais que flameje o seu ritmo, não é da mente o domínio do êxtase.

17 maio, 2016

Feliz aniversário

Esteve muito próximo ao fogão, enquanto sua avó preparava a sopa. Como sempre, já faziam ventos temperados em sua porta e por isso precisariam se aquecer. Tecia aos poucos, justamente porque ainda era muito infantil, cada vez mais admiração por ela, e por isso acreditou ser amor, por aquela senhora com lenço branco envolto na cabeça e que usava cotidianamente um vestido florido.
As mãos se tocavam e ele sabia, desde tenra vida, que ela era sim o calor de que ele mais precisava naquele dia, pelos dois considerado especial. Era uma comemoração, orgulhavam-se. Ela jamais se esqueceria, enquanto viva e ele afetuosamente esperaria o momento.
Ela estendeu a toalha de mesa e pediu que ele se acomodasse muito perto, para que a sopa não lhe ferisse. Apoiou-o, sem queixumes. Dispôs o prato e um copo vazios, ainda. Ele sorriu como sempre o fizera por sentir a proteção irradiada de sua avó. O aroma dos vegetais animava ainda mais os dois. Os pães já estavam dispostos para que seus braços curtos pudessem alcança-los. Ela estendeu outro copo para que ele bebesse água, imediatamente. Ele se regozijou. Como que em postura para prece, agradeceu à divindade sem que a avó o solicitasse, mesmo acompanhando. Ela serviu uma concha, ele logo apalpou o pão mais branquinho. Ela ajeitou o prato mais próximo à boca, ele assoprou, de modo quase adulto, o caldo já na colher. Ela sorriu como se quisesse nutri-lo com mais amor, além da sopa, ele ao máximo cuidado agradecia com apenas um olhar. Ela não se sentou. Ocupando ainda o estado de vigília, aguardou cuidadosamente o fim da refeição e ele consentiu em ajuda-la. Eram cúmplices. Ela encerrou a lavagem da louça, ele firme rente à pia. Ela retirou o lenço da cabeça enquanto ele voltava do banheiro com os dentes escovados. Ela se trocava enquanto ele retirava o cobertor e se dispunha para baixo do manto. Ela o beijou a testa e declarou: “Feliz aniversário, meu filho.” Ele torcendo a ponta do nariz e em comemoração pela lembrança, respondeu: “Obrigado vovó!” “Durma bem, meu querido!”, ela encerrou.

Durante toda essa passagem, nenhum som foi desconhecido. Nenhum olhar embaraçado. Pouco contraste por causa da iluminação modesta. Jamais ruídos de desatenção. Nada fosco o inacabado. Tudo amorosamente redondo.

Quando crianças, somos dispostos a viver como crianças sempre em aprendizado e nunca como crianças que já aprenderam e vivenciam ao menor afeto singelo. Esquecem-se de nutrir, nas crianças, o saber sobre a saudade de quem nos ofereceu os primeiros sinais de amor. Hoje, já homem, ele só desejaria aquele abraço, aquelas mãos e o olhar que, silenciosamente, acalmariam qualquer corpo da dor.

16 maio, 2016

Desconforto

Passamos a maior parte dos vinte anos reclamando. Como ainda não fiz quarenta, penso que os trinta não serão muito diferentes.
Há poucos anos, declarei em boa voz que não gostava de dormir. Para a maior parte das pessoas, não considerando aquelas que nem sequer ousaram levantar as pálpebras para me censurar, eu estava em devaneio, dizendo: “Ah, mas é você mesmo.” Ou: “Mas você também...” Ou, por fim: “Só você mesmo.”
Independente das formulações, a mensagem sempre é a mesma e absolutamente previsível: você não é normal, e se for, está delirando.

Quem se desconforta é o outro que está habituado a pensar que viverá para sempre. Quem se desconfortou, outrora, é porque percebeu que o finito é imprevisível e, somente, ele o é. Quem se desconfortará, poderá não ter mais instante intrigante para viver as circunstâncias. O que eu tenho a ver com o desconforto dessas pessoas? Tudo, eu sou tudo a ver.

25 abril, 2016

O senhor não pode

Nem sempre pensou no que se poderia entender por música. Seus ouvidos eram órfãos de composições. Comandos sonoros não o empolgavam, embalavam ou qualquer envolvimento sensorial. Hoje, disposto a classificar o comportamento de outrem, se esquece da sensatez e aplica, indevidamente, juízos pouco nobres sobre a atenção que recebe. Pobre senhor de uma consciência de si aparentemente inabalável. Perturbável príncipe de um reino sem súditos.

26 fevereiro, 2016

Pare

Risos. É somente isso que nos causamos. Nada de implicâncias, mas as mais dóceis provocações. Risos e mais risos. Pareciam infinitos ao seu lado. Eu deitado em seu colo e quando ausente sua atenção: mordendo suas bochechas. Risos quase intermináveis. Risos com sabor de melancia para mim. Risos e hiperisos. Mais e mais risos. Anteontem lembrei-me de como suas mãos insistiam em me fazer cócegas... Panaca! Risos. Sofro de outro mal: o de provocar risos. É quase improvável que vá me torturar a fim de ter o mesmo que eu faço com seu corpo sobre o meu. Risos e outros mais risos. Leves toques e quentes intenções entre nossos corpos. Ora eu por cima de seu corpo, ora você reclamando da nossa brincadeira. Pulo sobre seu corpo já deitado na cama. Risos e quase gargalhadas. Lá está esperando o morno e eu sempre oferecendo o fervente. Pulo em cima de você e temos o que? Claro, insuperáveis risos. Você tenta se esquivar, mas sabemos que está adorando. É como um pueril ser que se enxerga novamente na infância. A minha alegria nunca foi pertencer a você, mesmo de alma. Minha alegria era ter seu rosto risonho gravado em minha mente. Ah! Risos ingênuos. Que frescor era encontrar-me convosco em sonho ouvindo um elogio, recebendo suas mãos em minhas pernas e seus lábios em minha carne. Suor e risos. Nada mais era importante. Nem o ar que você me fazia, desesperadamente, esquecer. Quantas vezes me sufocou de alegria? Para mim, sim, a alegria é o maior sufocamente de risos até doer e doer mais a barriga. Dor. Dores. Lá estávamos em nossa cumplicidade de risos. E depois para parar o encontro de risos: bocas tocantes e mornas com línguas entrelaçadas. Lá estive em plena alegria e como tudo que é mais puro e incrível para mim, acabou. Risos desenxabidos. Resta-me, hoje, uma leve lembrança de seu rosto. Onde estariam meus risos sabor pão-de-mel agora? Por Deus...

25 fevereiro, 2016

O sonho

Acordei um pouco entristecido. Na verdade, incrivelmente entristecido. Cogitei em não laborar. Mal vi a claridade da manhã. Silêncio lá fora. E ali, ainda deitado, permanecia com muita vontade. Contarei o motivo pelo meu desânimo.

Estávamos numa festa e seus olhares pareciam ser só meus. Seu corpo já está ocupado com outro corpo, eu sei, mas não cometeremos traição. Seus olhares com os meus sempre foram cúmplices, lembra? Entretanto, o receio me impedia uma aproximação. Os festeiros, empolgados, subtraiam-se de nossas vistas. Éramos apenas eu e você e seu outro corpo, enciumado, porém. O que eu mais desejava era um cumprimento como bons parceiros, pois sei que não há amizade entre amantes doadores. Mas você nunca provocou isso, não é!?
Em outra cena diferente, para minha total surpresa, conversávamos dentro de um ônibus que iria para um destino desconhecido. Eu ali, extasiado e completamente perplexo, conversava como se nosso ontem fosse uma rotina e aquele hoje consagrasse o meu desejo com a sua permissão. Foi tudo muito rápido e intenso – ao menos para mim. Você ria. Sua boca parecia querer se depositar sobre meus lábios, já mornos. Seus olhos quando não fitavam os meus estavam em minha boca. Elogiou meu sorriso e o perfume de minha roupa. Em instantes, movimentou o corpo como se fosse sair. E, subitamente, beijou minha bochecha esquerda. Tentei resmungar algo, mas nenhuma conjugação saiu. Sentia que sua parada já estava próxima e quando me confirmou que desceria eu questionei: “Para onde vai?”, acompanhado com o pensamento da maior esperança do cosmo de que me entoaria um convite para lhe acompanhar. E ainda com o sorriso nos lábios respondeu: “Para casa.” Pensei em me despedir, mas já havia descido. Não se despediu como a etiqueta pede, não era seu forte ser gentil comigo. Creio que foi em minha impressão a real certeza de que gostou de estar, mesmo rapidamente, ao meu lado. Impressão... Seu beijo, macio como sempre, foi o elemento principal que não me fez querer despertar. Talvez uma terceira cena onírica juntos? E quem sabe conquistaria a mim mesmo para tentar um roubo: seu beijo em meus lábios saudosos.

Abri os olhos com a maior dificuldade. Levantei-me e após um banho sai. Entrei no carro, liguei o rádio e a música daquela sua cantora predileta tocava. Depois de ficar verdadeiramente desperto tive consciência de que você não vela mais por mim. Laborei, mesmo desenxabido. Ao retornar à casa, sentei-me no sofá-divã. Olhei o teto e repousei o olhar na poltrona que você se sentou, umas duas vezes, com meu pijama de inverno. Inspirei o ar pesado na sala quase rubra.  Preparei o almoço. Sentei-me só. A mesa cheia de temperos e condimentos. A leve brisa que corria pela porta aberta. O cheiro do alimento não me motivava a dar a primeira garfada. E notei que algo ficou claro em minha mente: lá estava você. Ao som de Onde estará o meu amor?, interpretado por Maria Bethânia, contive-me. 

17 fevereiro, 2016

Bata

Bata como se sua força não fosse finita
Estrangule a mais degradante parte minha
A mesma que dilacera por séculos a humanidade: orgulho

Bata, bata sem comiseração
Pois o canto que me ofereceu não é mais sutil que seu braço distante dos meus ombros
Menos doloroso que sua mão em minha orelha
Mais árduo que o osso que se quebra na mandíbula

Bata
Bata quantas vezes quiser
Bata com esse sorriso que esfrega em minha memória
Essas mãos sólidas e sem calos que penetra em minha carne maxilar
Ainda quero que bata na minha boca
Mas, por favor, não se esqueça de todo o resto, já inválido

Bata
Bata com tanta vontade que me faça chorar
Chorar por ter sido pouco ou mesmo desimportante
Fui ser o mais desagradável possível em sua vida

Bata
Bata com a indiferença
A mais ardida das dores que você poderá me tocar
Não me olhe nos olhos quando desferir o golpe
Não ouça meus reclames
Ignore o pedido de perdão
A clemência não deverá atingir seus ouvidos
Quanto mais seu coração
Não traga mais, compartilhando, o mesmo cigarro
Bata
Bata como se eu fosse o mesmo que o seu traidor preferido
Aquele que o feriu sem pudor, repetidamente
O mesmo desumano cínico que permitiu
Que o seu corpo repousasse em outra cama, ferido

Bata
Mas por favor bata para haver morte, de vez
Pois não há no mundo todo um só alento
Que me faça esquecer definitivamente
O brilho nos meus olhos que só você permitiu criar
ao se aproximar

Eu repetirei o clamor até você se impor
Bata!
Bata!
Bata para que meu coração deixe de estar partido
Que átrios aguentariam tão forte pulso de sangue de uma única vez?

Por favor!
Somente bata
Bata de uma vez, desgraça!
Bata por todas às vezes que sentou em meu sofá a minha espera
Enquanto em banho me dedicava a outro riso
A outra espera
Bata por saber que eu fiz o mais rápido tempo em trajeto apenas para não o deixar sozinho por mais instantes ociosos
Bata porque eu amei

Pelos deuses, estúpido! Bata!
Como eu queria estar lançado à sorte, novamente
Ao menos teria ar em meus pulmões
Ares que não usei enquanto você não queria mais um trago

Bata!
Por Deus me bata, vil!
Bata com a mesma força de quando foi surrupiado
Para que não carregue mais, por fim, essa mágoa
Já não estamos mais nos mesmos lugares
para sempre?

Bata!
Mas bata dentro de mim!
Não bata no mundo
Nunca no mundo
Porque ele revidará
Em sua simetria não poderá haver marcas
Já há aqui um peito cicatrizado sem vontades de continuar

Ó, por tudo que é mais nobre nesse universo consumista!
Por todas as partículas que nos compõe
e virtuosas ações de nossas mães
Bata!

Bata!
Apenas bata, sem cansaço
Procure bater com o ritmo do relógio
para não descompassar
Bata!

Quero estar em leito de morte e sentindo a dor que é o toque de seu desafeto
Que horror eu causei para receber em vida tamanha provação?

Bata, por Deus, apenas para me livrar desse fragmentado que arranha minha mente
Bata em minha cabeça para que ela se dilacere!
Não admito mais ser esse monstro ao ver sua imagem em retrato e não me constranger

Bata
Bata com o tamanho da minha saudade
Cânion entre peles alvas
Rostos decentes e pueris
E bocas marcadas por falsas sabedorias

Eu quero a morte!
Sem poder ouvir a sua voz
Talvez a ínfima das partes que me resta
Já não existe mais com alegria
Que todos saibam
Que morri infeliz
Descontente
Desgraçado

Bata, ser vil!
Ao menos bata
para não ser mais um "saco de batatas"
Para o meu propósito final
Pois já não nos temos mais na segunda pessoa do singular.

08 janeiro, 2016

O Don Juan

Você bem que viveu intensamente ao meu lado por alguns anos. Pensei várias vezes que o meu gostar não seria finito. Bobagens que se fixam na mente de pessoas de minha idade. Sua pele branca, voz altiva e detalhes que apenas o bom observador, como eu, poderiam notar, sacudiram meu coração. Eu, mesmo seguro despreocupei-me quando estava em sua presença. Foram horas um ao lado do outro. Como irmãos de sangue, grau que sempre reivindiquei, pensava a cada momento que meu gostar fosse cristalizar e engrandecer. Também pudera, nós humanos somos sempre trapaceados por nossas ideologias e sentimentos infantis. Os meus sempre foram muito claros para você e agora caros a mim. Verdadeiramente, não escondi qualquer nuance sobre minhas vergonhas. Mal eu pude reparar que elas apenas o feriam. Eu declarei aos cantos dessa cidade mesquinha que o seu nome era mais que um gostar, era amor. Havia em nós dedicação, companheirismo e uma sutil alegria. Qualquer casal amoroso nos invejaria. Qualquer casal fraternal reclamaria. Os meus sonhos, os maiores, foram todos compartilhados com você. As minhas falhas e queixumes. Doei-me. E agora? Não tenho mais a sua companhia. Não sei se tenho mais o mesmo amor. Tenho a mim mesmo, como sempre tive. Dores divididas são sempre eternas. Isso você descobrirá. A qualquer momento podemos nos tropeçar. Devo cair ou negar nosso passado? Se eu não mais o vir, caberá a mim o título de Pedro, aquele chamado também de “o traidor”? O tempo faz graças e malefícios. Como não o controlamos, apenas vivemos suas decisões, eu cá, mesmo adoecido, e você, ai, sabe-se como, seremos atingidos pela aguda e avassaladora flecha do desconhecido, antes da morte. A cada momento sinto esvair de minha mente o seu sorriso deslumbrante. E a certeza de que eu não me aproximei da cela que havia preparado para mim. Mãos em meus ombros? Jamais ousou se aproximar de um corpo com tamanha felicitação. Cabeça em meu colo para um cafuné inesperado? Ainda bem que eu soube teatralizar. No fundo eu já sabia de tudo. Confesso: era uma nova relação, porém. Talvez não para você. Há anos venho refletindo sobre minhas limitações e me esquecendo das astutas habilidades. Resisti e não cedi aos possíveis encantos oriundos de sua natureza direcionados a mim. Talvez estivesse ai a sentença de nossa finitude. Claro, eu mesmo me esquecendo de verificar minhas lembranças, dei atenção àquela “voz” intuitiva que sempre me salvou. Parece que devo a mim mesmo o fabuloso modo de me distanciar dos humanos, pois deles só encontrei o dissabor ou estou eu tomado pelo desterro arfante da desesperança. Tenho em meu mural de fotos sua imagem e a cada dia, desde nosso distanciamento, relembro cada “eu te amo” que proferiu a mim, para que jamais eu volte a acolher novamente alguém em zelo. Ao som De tanto amor, de Roberto Carlos, encerro.