29 agosto, 2016

Garganta

Eu lembrei. Estive com dores na garganta. Acho que era o sufocamento. Bastou seu retorno para que eu arriscasse um pensamento audacioso. Qual? A de sentir a sensação que antes era de estar num colo afável e absolutamente preciso. A de aceitar sua dupla maternidade. Aquela mesma que me autorizava a ser um moço, apenas. Nada mais que um moço, mesmo com juízos.
Eu lembrei. As dores na garganta duraram a passar. Acho que era o desejo de declarar quanta falta me fazia sentir seus cabelos entre meus dedos, bem encostados a minha boca. Era como se estivéssemos abraçados. O seu duplo grau de comprometimento com o meu passado: eu e o meu outro personagem que via algumas vezes por semana. Nada mais que um profissional, mesmo com princípios.
Eu lembrei. As dores na garganta foram mais agudas dessa vez. Deve ser porque velo mais por suas palavras suaves que me acalmavam o corpo todo e seu olhar acalentador. A múltipla vontade de saber como estava o seu dia, suas noites de sono que eu jamais pude acompanhar. Nada além de uma forte alegoria. Imaginar o encontro de nossas peles despropositadamente.
Eu esqueci. Logo que nos reencontramos, vivifiquei a lembrança do seu sorriso, sempre modesto, mas insuportavelmente necessário. Acho que me viciei na forma dos lábios das pessoas e a minha maior felicidade seria... eu me lembrei, na verdade, da temperatura dos alimentos que não me satisfazem mais. Parece que minha boca está seca. Secaram-me. Eu sempre imaginei como seríamos daquele instante em que nos conhecemos até o meu fim. Acho que não me recordo se desejo morrer antes ou depois de você. Lembrei!
Assim como faltou luz para eu gravar seu rosto, naqueles dias, apesar de sustentar essa imagem sempre que sonho e lá aparece para mim, me faltou pausar o instante e pensar. Só precisaria ter me desfeito do contemplação e visto como você era. Acho que você me deixa assim, sem razões e ao mesmo tempo certo do que sou. Por mais que eu me recorde de todas as maravilhosas impressões que você me trouxe, o tempo forçará nosso distanciamento. Não me lembro de ter imposto a você minhas vontades, deve ser porque está com o incrível interesse em viver suas próprias escolhas. E eu amo esse seu jeito. Modo de quem precisa ser alcançado. Alguém que sabe aproveitar um passeio ao lado da liberdade.
Eu me lembrei. Acho que é porque eu sou imensamente apaixonado pelo seu movimento, da maneira mais poética, ao estilo de Camões. Eu me lembrei de ter que fechar os olhos e impor a minha débil mente de como era bom desobedecer as regras do médico, só para poder tomar sorvete, mesmo com as dores na garganta.

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