Acordei
um pouco entristecido. Na verdade, incrivelmente entristecido. Cogitei em não laborar. Mal vi a claridade da manhã. Silêncio lá fora. E ali, ainda deitado, permanecia com muita vontade. Contarei o motivo pelo meu desânimo.
Estávamos numa festa e seus olhares pareciam ser só meus. Seu corpo já está ocupado com outro corpo, eu sei, mas não cometeremos traição. Seus olhares com os meus sempre foram cúmplices, lembra? Entretanto, o receio me impedia uma aproximação. Os festeiros, empolgados, subtraiam-se de nossas vistas. Éramos apenas eu e você e seu outro corpo, enciumado, porém. O que eu mais desejava era um cumprimento como bons parceiros, pois sei que não há amizade entre amantes doadores. Mas você nunca provocou isso, não é!?
Em
outra cena diferente, para minha total surpresa, conversávamos dentro de um
ônibus que iria para um destino desconhecido. Eu ali, extasiado e completamente
perplexo, conversava como se nosso ontem fosse uma rotina e aquele hoje
consagrasse o meu desejo com a sua permissão. Foi tudo muito rápido e intenso –
ao menos para mim. Você ria. Sua boca parecia querer se depositar sobre meus
lábios, já mornos. Seus olhos quando não fitavam os meus estavam em minha boca.
Elogiou meu sorriso e o perfume de minha roupa. Em instantes, movimentou o
corpo como se fosse sair. E, subitamente, beijou minha bochecha esquerda. Tentei
resmungar algo, mas nenhuma conjugação saiu. Sentia que sua parada já estava
próxima e quando me confirmou que desceria eu questionei: “Para onde vai?”, acompanhado com o pensamento da maior esperança do cosmo de que me entoaria um convite para lhe acompanhar. E
ainda com o sorriso nos lábios respondeu: “Para casa.” Pensei em me despedir,
mas já havia descido. Não se despediu como a etiqueta pede, não era seu forte
ser gentil comigo. Creio que foi em minha impressão a real certeza de que
gostou de estar, mesmo rapidamente, ao meu lado. Impressão... Seu beijo, macio
como sempre, foi o elemento principal que não me fez querer despertar. Talvez uma
terceira cena onírica juntos? E quem sabe conquistaria a mim mesmo para tentar
um roubo: seu beijo em meus lábios saudosos.
Abri
os olhos com a maior dificuldade. Levantei-me e após um banho sai. Entrei no carro, liguei o rádio e a música daquela sua cantora predileta
tocava. Depois de ficar verdadeiramente desperto tive consciência de que você
não vela mais por mim. Laborei, mesmo desenxabido. Ao retornar à casa,
sentei-me no sofá-divã. Olhei o teto e repousei o olhar na poltrona que você se
sentou, umas duas vezes, com meu pijama de inverno. Inspirei o ar pesado na sala quase rubra. Preparei o almoço. Sentei-me só. A mesa cheia de temperos e condimentos. A leve brisa que corria pela porta aberta. O cheiro do alimento não me motivava a dar a primeira garfada. E notei que algo ficou claro em minha mente: lá estava você. Ao som de Onde estará o meu amor?, interpretado por
Maria Bethânia, contive-me.
Nenhum comentário:
Postar um comentário