05 julho, 2019

Nu chão

O que fica em nós quando o outro faz escolhas egoístas? Talvez o corpo já usado e cansado. Talvez a sensação de esperança. Talvez um reencontro e, por que não, um talvez "você seja melhor no próximo relacionamento"... Amoroso? Provavelmente enganoso, mas não amoroso. Dedicação e ingratidão fazem parte do mesmo horizonte e de sua história. Estariam na mesma linha com o menor dos esforços. Banho e cama eram fartos, mas seu desânimo consigo mesmo era demasiado. Sufocante! Não para mim, contudo. Escolheu uma aventura tão sem graça que não tinha mais palavras para a desfaçatez. Nem mesmo seu cúmplice, por mais asco que se possa existir nesta cidade conseguiria preenchê-lo, teve dignidade em lhe defender. E o que ganharam? Só perdas incríveis. A mim.
O que sai de nós quando o outro não sabe que nos ama ou se esforça para gostar? Fingimento, talvez. É como o tingimento de tecido. Não se quer a cor ou o estado original e tenta florear, paquerar, iluminar, acreditar etc. Quaisquer sensações oriundas de apenas um lado de uma pena de relação é a medida mais saudável para a consciência. Mas a quem estamos enganando quando invocamos a consciência? Só se tem consciência ("com ciência") quem pratica a ética e ética é vivenciada desde a tenra idade. Começamos quando estamos nus. Totalmente. Aos poucos a imagem da mulher vai se distanciando e vai se apresentando a própria imagem. Se se pedirem hoje, por curiosidade, que você mesmo fizesse seu autorretrato, provavelmente, não conseguiria. Há imagens ainda em construção e o horror interno parece nos atrapalhar. Eu vi o seu horror e o mais engraçado é que não me incomodei em nada com ele, com você, com vocês. Quando não mais nus, estaremos ainda no chão. Algumas pessoas se levantam e seguem vivendo. Você se recusa a levantar. A se levantar do chão gélido. Gélido como o coração de algumas pessoas... como o meu próprio coração. Frio como o seu coração é. Quando imerso em prazeres o sorriso era farto, mas quando se precisava crescer ai as dificuldades, as falsas impressões e erros da humanidade ficavam tangentes. Que coisa, não!? Do chão frio e da nudez para a insensatez. Não nos culpemos, foi tudo ótimo... ao menos eu soube viver a algum lado qualquer, independente de você. Já nem conhecia mais você e reconhecia de que lado estava. Esteve do lado do cinismo. E do meu lado eu me apaixonei, porque escolhi viver. Jamais poderia exigir, me enraivecer por sua ingratidão. Jamais! E não farei isso. Fique tranquilo. Vou contar sempre a minha versão dos fatos. As pessoas que façam seus julgamentos. Afinal, mesmo sendo sincero e sem uma gota de pretensão pessoal, quem vive e ama viver ao redor de companhias, tentando conhecê-las e entendê-las, pode ser acompanhado até mesmo por um animal.

13 janeiro, 2019

Eu estive lá fora sem você

Hoje vi que morremos mais rapidamente num lugar que amamos, mas que não é possível haver amor.  Se há, pessoalmente não percebi. Nem notei! Hoje acompanhei uma noite com brilhos que iluminavam meus olhares e entoavam divertimentos. Mas eu, logo eu que era da noite, já estou morto. Ela se fez fúnebre. Como se estivesse me enterrando na cidade cinza.
Hoje morri mais depressa porque a minha ira não foi contida. Foi incentivada pelo calor incomum. Houve desajuste, implicância, desventura, raiva, descontrole, revanchismo, regateirice, rusticidade, desprimor, inconveniência, ruralidade, aniagem, desmesura, asselvajamento, desamabilidade, despolidez, indecorosidade, insolência, impolidez, incivilidade, indelicadeza, desconsideração e pavor. Justamente porque não quis me ver. Inventou um descuido sobre meu contato. Desfez de minha amizade. Desonrou minha atenção e, quando me escreveu, ousou me culpar. Morremos! Eu já vim morto para cá. Não me interessa saber sobre seu estado já que não quis me atender.
E por que motivo morri mais depressa na cidade cinza? Foi porque a minha mais sincera demonstração de cuidado não foi feita pelo amor.

08 janeiro, 2019

Lábios

Há uma mistura em você: dentro de você há um você que você não vê. Alguns poderão até vê-lo, mas sempre enxergarão o sorriso que você demonstrar e o som que entoar. Percebem mais facilmente a face séria, mesmo musicada, também.
Na verdade você sorri para você mesmo, infortunadamente por pouca idade, você não percebe você mesmo: não, necessariamente, você, mas a mistura que é você.
Na verdade, verdade mesmo, há um você sóbrio, que não quer se enganar a você mesmo e a ele. Você até percebe que você está em você, vinculado, moldado, envolvido, relatado, musicado. É uma mistura quase conexa perfeitamente. Quase porque é você que ouve sempre, mas não você, é aquele você. Você ouve outros vocês em vozes alheias. Um você que se vive com o outro você pela música. Há até lábios livres em você.
Na verdade, sem falsas ideias e desonrosos sentimentos, você ao se voltar para você acaba sendo o você que sorri, por um lado, mas fica sisudo no outro lado: é a mistura, sabe?
Você não se perde, mas também não se alcança, justamente, porque o você ao tratar sobre você que está rindo, é o você mais vívido enquanto você fica sério. É pura mistura, ocupando o mesmo lugar no espaço.
Você não precisa entender você, ainda. Você nem deve ouvir você, enfim. Você, talvez, nem pretenda. Bastam vocês.