16 fevereiro, 2015

Ceia

Sofro de um mal. O mais temido por todos esclarecidos. Sou movido pelas emoções e somente elas se fazem fonte do meu escrito. Foram meses tentando segurar pelas mãos a saudade. Ela já se caduca em nosso tempo, mesmo assim é persistente. Desgasta-se dando espaço a segunda menos frágil, a contemplação do corpo alheio. Deveria ter com ela em bons esculachos! Não, neguei a mim o esforço de enforcá-la. Depois, com cantos excitantes, vem a esperança, a mais carrancuda de todas. Bela, porém mesquinha, quer se desfazer de todas as outras para ser admirada pelos humanos. Sem competidoras se refestela no salão nobre dos engodos. É nossa imperatriz, salvaguardada pelas justificativas dos leigos. E lá, mais intimidado, quieto e desajeitado está quem realmente embala meus dizeres: o... Sua beleza é ainda maior que todas do salão. Não aparece facilmente nos bailes para não atrair, mesmo sem desejar propositalmente, a atenção de todas e todos. Jamais resmunga. Serve-se dos servos que estão a renovar os alimentos e as bebidas das mesas mais assediadas. Mesmo vestido modestamente se torna o único no quadrante que provoca aquele silêncio quase enlouquecedor. Gestos seguros e pompas em todas as falas causam alvoroço nas ingênuas almas. Ficam perplexas. De sorriso invejavelmente esplêndido, esconde no mais delicado e sublime gesto labial a coragem de saber que é dono daquele império. Raramente apareceu, e para mim nunca, mas sei de sua presença ao redor, me observando. Quando dou por mim, já tomado pela curiosidade, que estrategicamente quer me pregar uma peça, estou olhando atrás das cortinas a procurá-lo. Sinto seu olhar e tenho receio de ser menos saboroso como os outros.

Hoje, por fim, não consigo mais suplicar que as tenha, que as guarde ou até mesmo alimentá-las com memórias somente a mim fundamentais. Crescer é propor uma história de vida que antes do finito se possa contemplar os êxitos, em versos expressos. Sei, de fato, que em breve me motivarei a cear com as emoções em fartos banquetes noturnos, servidos entre naturezas mortas, enquadradas nas paredes do meu desespero.

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