24 setembro, 2014

Por favor

Tornamo-nos tão essenciais quando pertencemos aos olhos alheios. Mudamo-nos por verdadeiros motivos interiores, capazes de nos trazerem o bem. Mudamo-nos o nosso universo por momentos singulares, respirações necessárias e toques de paz. Mudamos o nosso mundo.

Reescrito

Fomos (re)criados para pertencermos a tantas coisas. Uma delas é a nossa fantasia, a mais brutal capacidade da invenção mental. Outra é a pessoa humana. Não seriam coisas propriamente, mas situações que nos impedem de verificar nossa universal e precisa vontade de sermos um conjunto e propomos,  erroneamente,  de nos tornarmos seres únicos. Entretanto, estamos ali por nós mesmos, diariamente, com inquietações, ressentimentos, fluidos de alegria e esparsos volumes de solidão. Pensáveis momentos agradáveis em companhias honradas, por um lado, e instantes tão supérfluos ao lado de desconhecidos: tornados paródia da vida contemporânea. Ironicamente, aqueles rapidamente encerrados pelo cronômetro enquanto estes parecem perdurar milênios.

O que sempre conquistamos, mesmo para o bel prazer, pela satisfação de sermos notados por alguém declaradamente próximo é a incerteza de nos pertencermos e pertencermos a ele, simultaneamente. Duvidamos e essa é a mais catastrófica das sensações, após o luto. O receio habitante em nossas entranhas nos eleva a seres ou essências quase sem humanidade, imediatamente. “Não queremos mais sofrer!” sentenciamos, pois, para alguns que nos brindam com suas crenças já fomos ofertados às entidades extra-humanas ou ao universo que gira e por isso não há mais razões em lutar pelo desejável. Pertencimento, todavia, não é uma escolha tão saborosa e pasmemo-nos: nunca será, porque as decisões nos desenergizam de maneira quase absoluta. Há aqueles considerados heróis que nunca desistirão de singulares conquistas, porém.

Atribuímos qualidades desconexas para a natureza humana e sequer pesquisamos o outro profundamente. Não temos tempo. Fica sempre para depois ou para nunca mais. Desfazemos farta paciência para despender com o passado, afinal existem tantos futuros férteis no mundo terreno... Já nos distanciamos de nossos propósitos, desse modo, e fugazmente almejamos a felicidade duradoura, o inatingível idealizado, o insólito constante e o comum disforme. Formulamos desenhos mentais sobre pessoas, esboços sentimentais para predestinados e cálculos de intenções para desenxabidos seres, haja vista que no horizonte da dignidade paira o querer. Sorrimos disfarçadamente mais para dentro porque ao nosso redor substituímos as verdades passadas. Quase verdades, exclamaríamos. Tentamos e já que não se sustentou deve ser descartado, afinal, às entidades extra-humanas ou ao próprio movimento do universo cabe o dia em que iremos viver uma grande experiência vital. Aguardamos atentamente por demonstrações irreais de fidelidade de pessoas caracterizadas por nossas pretensões e pouco por desavergonhadas ações virtuosas. A atitude já expressou o gosto pelo conhecido, sabido, esperado e seguro.


Valemo-nos de competições e apimentadas conversas acirradas para demonstrarmos a superioridade de consciência, raramente encontrada nas saudáveis relações humanas. O elemento motivador do virtuoso é a associação entre o tempo e os saberes. Julguemo-nos por nossas imperfeições e esqueçamos as maravilhas conquistadas pela empatia, originada em um descanso durante a jornada do cotidiano. Teatralizamos estupidamente a dignidade o tempo todo: a alheia, frequentemente, por medo. Suplicamos desejos que jamais se revelarão, por empáfia. Pretendemos vontades eternamente idealizadas, ainda que as neguemos, desafortunadamente. Seria a dignidade alheia tão vorazmente mastigável que não é possível admirá-la enquanto dura vida, mesmo sabendo, que pelo resto de nossa existência inexistirá o retorno após o seu desterro? Com o gasto do tempo em vida já anulamos quase que automaticamente as possibilidades. Quando frágeis em dado momento seremos condenados por todo o infinito. Adotemos o ideal do super homem nietzschiano ao passo do mais vagaroso animal terrestre ou ainda nos apoiaremos na clássica fórmula política em que apenas os deuses e os monstros vivem sozinhos? Ao som de Frédéric Chopin, prelúdio em E-Menor, ópera 28, número 4, encerramos, cônscios de nossas decisões.

06 setembro, 2014

Diário

“Na natureza nada se cria, nada de perde, tudo se transforma.”
Antoine Lavoisier

Não é de costume eu me encontrar comigo durante a rotina diária. Hoje, contudo, inesperadamente dois fenômenos naturais me esclareceram algumas questões.
Estava ali, parado comigo em reflexivo esforço, quando percebi, solitária uma flor cuidada com muito esmero por uma mulher muito especial. Veio a mim uma imagem tão confortável: aquela mulher cuida tão bem daquela solitária flor que sua beleza não se esconde, apresentasse franca e com um singular encanto. Também estava, além de solitária em sua única capacidade de ser, com suas pétalas voltadas para baixo, mesmo em seu esplendor.
Percebi, rapidamente, que atrás de uma beleza há um cuidado tão dedicado que as transformações do cotidiano passam a ser mais conquistas que desencontros, conclui.
Logo, direcionando meu olhar para o lado, e ainda pensativo, encontrei um gato preto sozinho em si e desenvolvendo sua atividade instintiva. Seus pelos pretos e completamente pretos me levaram a acreditar que a sua vida não se reduzia a estar em si, unicamente, e sim em completar o ciclo de vida de sua maneira mais adequada e esperada.
Ao retornar, lembro de admirar novamente a flor solitária, cuidando para que minha memória um dia, lá no futuro que desejo distante, me faça revê-la em imagem. O gato, aquele com pelos pretos e completamente pretos, driblou-me e se adiantou a frente e, parando me olhou com seus olhos de gato preto e completamente pretos. E conforme me adiantei mais próximo a ele, levantou-se e correu para perto da janela que lhe pertencia, pretendendo escala-la com maestria. Antes, novamente olhou-me com seus olhos de gato preto e completamente pretos. Foi ai que aprovei que a ele também eram dados bons cuidados e suprimentos ofertados por uma mulher atenciosa, muito especial.


Éramos três solitários em uma tarde de sensação térmica agradável e atmosfera reflexiva. Já se desfizeram os dias em que me desconfortava um encontro comigo. Verifiquei, por fim, que estive em três ótimas companhias: a solitária flor com pétalas para baixo, o gato com pelos pretos e completamente pretos e eu.