30 março, 2010

Personagem - Marcus Moura

a André Luiz

Há um personagem invisível em todas as minhas narrativas. Ele é um tanto cubista, quanto hermético. Ele só se permite descrever pelo que diz. Não ouso narrar seu corpo, sua história, seu psicológico. Ele não me permite. Aparece, diz algo e se vai. Desvanece da mesma maneira que apareceu. Ao terminar um texto, releio e ele está ali, impassível, invazável, instransponível. Junto os ângulos e nada se forma. Hermético e cubista.


Reli todos os meus textos a fim de defini-lo, achá-lo, determiná-lo, mas não consigo, sua indizível presença sempre se faz ausente no fim. Vou entendo-o, e quando penso que tenho alguma conclusão sobre, me sinto no vazio do não ser novamente. Ele vem e mais uma vez pisca, sorri aquele sorriso inconfundível que só ele tem. Mofa da minha falta narrativa. Sorri para minha incapacidade de flagrá-lo no salto que procede em minhas histórias noturnas.


Assim, vou me trucidando aos poucos, com vontade de achá-lo totalmente. Ele seria o ser a quem procuro há tanto tempo? Viajo sempre por lugares nunca antes transpostos e sempre o tive aqui, dentro de minha própria palavra, minha linguagem encenada? Ele não vai aparecer nessa narrativa, não o permito. Já tomou por demasiado meu verbo, meu destempo, meu ressentimento. Tenho raiva dele, quero vê-lo fora de toda expressão poética a que me proponho. Mas não posso. Tenho medo. No final, será que ele vai me oferecer a pérola que tanto busquei nessa viagem que procedo de norte ao sul do meu corpo? Silêncio.


É ele. Mais uma vez apareceu para me descentrar, desconcertar, desconstruir. Sorriu, entortou a cabeça daquele jeito especial e me ofereceu os braços. Me aproximo, creio que não percebe minha irritação. Abracei-o e lhe beijei o pescoço. Tinha vontade de mordê-lo. De ver seu sangue jorrando por todos os lados me banhando, e, finalmente, me mostrando o que havia de mais íntimo do seu ser impegável.


Contive-me, somente beijei seu pescoço, meus lábios se ergueram num sorriso simples. Por que não vem comigo? Não me aceita? Não se revela? Dê me um pouco do que eu preciso. Do que eu desejo. Me retire desse turbilhão enfurecido que toda a minha existência se tornou. Salva-me. Meus olhos demonstram o sentimento que expresso por palavras? Só ele poderia dizer, porém não o diz, nem mais sua voz se faz presente. Já se foi como sempre vai. Para aquele reino onde reina intocável.


Não tenho mais forças para prosseguir. As palavras me faltam, por sua falta. A raiva passou, agora, fico a espera de seu próximo retorno, de seu próximo sorriso. Só que ao invés de um abraço, forçarei um beijo na boca. Não posso ter seu sangue em meu corpo, terei pelo menos um líquido íntimo em mim. A saliva há de me revelar o que desejo? Será dividido comigo metade daquele segredo?


Fico a espera, por favor, retorne!


Postado originalmente em http://marcusmoura.blogspot.com/search/label/homenagem, em 19 de janeiro de 2010.

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