21 dezembro, 2007

Não Vale a Pena

Autores:Jean Garfunkel e Paulo Garfunkel
Intérprete: Maria Rita


Ficou difícil
Tudo aquilo, nada disso
Sobrou meu velho vício de sonhar
Pular de precipício em precipício
Ossos do ofício
Pagar pra ver o invisível
E depois enxergar
Que é uma pena
Mas você não vale a pena
Não vale uma fisgada dessa dor
Não cabe como rima de um poema
De tão pequeno
Mas vai e vem e envenena
E me condena ao rancor
De repente cai o nível
E eu me sinto uma imbecil
Repetindo, repetindo, repetindo
Como num disco riscado
O velho texto batido
Dos amantes mal-amados
Dos amores mal-vividos
E o terror de ser deixada
Cutucando, relembrando, reabrindo
A mesma velha ferida
E é pra não ter recaída
Que não me deixo esquecer

Que é uma pena...

29 novembro, 2007

Entoar

O respeito às pessoas mais experientes demonstra o quanto a sociedade compreende sobre sua história.
O dizer "viver é melhor que sonhar", interpretado por Elis Regina, com a música "Como Nossos Pais", revela o desejo humano pela manifestação de sua natureza política: nós humanos precisamos viver, e mais, viver por um longo período.
Valerá questionar: por que a experiência de vida dos/as idosos/as não é facilmente impressa, escrita, e falada? Por que, em sua maioria, encontramos mais jovens no mass media e poucas experiências amadurecidas?
Repensar o passado, ou apenas notá-lo, não é um exercício apenas daqueles/as que se debruçaram a vencer o terror (ainda para os jovens) da finitude vital, mas daquele/a que vive coletivamente e não apenas sonha.
Se o/a jovem perceber que poderá não alcançar a terceira idade, será possível reconciliar o diálogo com as diversas experiências, o bem-estar com a saúde e o viver com o sonhar.

20 setembro, 2007

Abrigo


Poderíamos viver sem abrigo?

Talvez eu pudesse respirar profundamente o ar fresco de uma manhã manhosa pelo sol. Prometer carícias às crianças desamparadas. Reanimá-las com um mínimo afeto.

Sobreviver à ligeireza de uma atividade habitual. Romper o ignorar verdades. Suplantar os pré-conceitos. Reanimar a ternura. Permitir o entendimento. Promover um diálogo harmonioso. Responder ao exercício da responsabilidade e da clareza. Verificar a humanidade. Planejar o verbo... E por que esquecer de relembrar as felicidades?

Contar momentos para as crianças que só vivem o fantástico quando estão dormindo... Desse modo, elas passariam a respeitar a humanidade. Verdade ou mentira. Amor ou ódio. Tanto faz! Depois do meio-dia todo ar é quente em meu abrigo.

17 agosto, 2007

Feminino


Não pude esperar, e logo que acordei, sentei-me rente a cama macia... Esqueci de agradecer-te.
Eles querem, ainda, corrompê-la. Novamente...
O que seria da saúde que me comporta sem tua força viril?
Como sustento pensamentos lúcidos, lembrando-me justamente de teu afeto feminino?
Ouço constantemente os queixumes das crianças. Desorientadas e famintas...
Sem tua essência não seriam porções humanas, mas corpos tomados por apoucada humanidade.
Ausente o afeto viril feminino que sai de teu toque elas morreriam... não o corpo, mas o espírito.
Nem mesmo o mais desonesto homem seria capaz de suportar por séculos a mentira de que a ti foi dita: de que foste a parte que nos trouxe os males.

Pandora, de Odilon Redon. 1915.

25 julho, 2007

Adeus à coletividade

André Luiz Martins Pereira

Percebo que não nasci para esta época. Não quer dizer que mereceria uma futura ou passada. Apenas não mereço esta.
Ocorre que a chamada para a vida coletiva não me satisfaz. Sinto, verdadeiramente, um fluxo vital se despender por rumos egoísticos. Talvez maléficos. Certo estou de que não são benéficos. Há tempos acreditava no maniqueísmo. Hoje apenas nas interfaces. Também pouco importa a verdade presente neste universo humano. Acreditava bastante na potencialidade do caráter humano: criações e pensamento. Esclarecido, pude recorrer a este sem muitas dificuldades cognitivas. Algumas sentenças, às vezes, mostravam-se embasadas, sobretudo.
Estou vivendo em estado de impropriedade. Os pensamentos estão se deslocando para aspectos do cotidiano rapidamente, sobrecarregando-o. Incorre uma fundamental dificuldade: não sei lidar com a finitude. E quem sabe? Com o que compreende o fim de uma forma fortemente incompleta, afinal não possuo trabalho. Ocioso, respiro com dificuldade, como sem perceber ao degustar o alimento o gosto, ver a realidade semelhante a flashes e cenas embaraçadas, e por fim, emocionar-me raramente, de maneira que o sentimento é tão desenxabido e seu reflexo em meu íntimo é também espaçosamente ínfimo.
Os dois pensamentos a que me refiro são o de estar doente e de estar impossibilitado de poder seguir interesse profissional. O primeiro está diretamente ligado ao tratamento que destino à finitude. Já o outro, percebo sem muitos detalhes, está na faculdade de aplicar a inteligência e o raciocínio relacional na burocracia.
Faço pouco menos do que deveria por mim, confesso. Até este instante destinei muito tempo de mim para a coletividade. Meu prazer, meus sonhos, meus anseios e pretensões estavam originariamente a propósito de outrem. As angústias, fraquezas, necessidades básicas e específicas, gostos exóticos, ofensas, incompreensões etc. Entretanto, neste instante cônscio, não sei se poderei reverter este esforço uma vez dado de pouca fortaleza e propriedades físicas limitadoras.
Compreendo profundamente os erros como se não quisesse vestir conforto no decurso do inverno gélido.
Falta preencher esta imensa lacuna, ou talvez várias pequenas lacunas aglutinadas. Se confirmar o que me aprisiona em pensamentos delirantes obterei duas sentenças: assumi uma compreensão (esclarecimento) sobre o devir claramente insuportável e não pertencer mais a esta época. Não desejo viver mais nu, além de estar, agora, sujo. Como poderei ser enxergado pela coletividade, a que sempre me preocupei, desse modo? Mesmo despedindo ainda me preocupo com ela. Este país não me merece ou nunca me mereceu porque eu não me respeitei o bastante para usá-lo. Quero dizer adeus à coletividade por desistir.