08 dezembro, 2006

Vinda

Sabes daquele teu coração espinhado?
Sabes, não? Pois é meu também.

Hoje vejo menos claramente. E o melhor é o quanto as nuvens fazem sumir a minha dor, só pela manhã.
Por enquanto, nutro um enfraquecido desejo de sobrevivência.

Tu me faltas...
Tu me amas...
Tu me desejas...

Como posso ser tão egoísta e pensar somente em mim, aqui sozinho, se tu existes a distância?

14 novembro, 2006

Cotidiano

Segunda-feira (ensolarada)

- Dar-te-ei esculachos, menino vadio!
- Dê-me o que quiseres, mas saiba... contarei tudo a mamãe!

- Vô virá a mão na tua cara, vadia!
- Bate que eu quero vê, bate seu puto de merda! 
Terça-feira (parcialmente nublada)- Sabes dos teus estudos, menino?
- Sei sim, certamente os farei.
- Vá estudá desocupado!
- Apá merda.
 

Quarta-feira (ensolarada)
- Cuidas da vida de tua mãe e verás o que ela fará quando descobrir.
- Minha preocupação é acerca de minha vida... somente.
- Fica mexendo nas coisas da mãe, fica...
- Não enche o saco, merda!

Quinta-feira (nublada e ventando)
- Cuide de te cobrir com o manto quando a brisa condensar.
- Assim o farei. Ah! Diga onde estão os meus sapatos...

- Leva o casaco guri!
- Valeu!

Sexta-feira (garoando)

- Cuidado com o chocheiro do Lord. Ele é arredio como o eqüino.
- Sei diferenciar a insensatez da força bruta.

- Ó o carro guri estúpido!
- Tô vendo ô!

Sábado (chovendo e ventando fraco)
- Viste os anúncios sobre a guerra? Viste? Responde logo menino, por favor!
- Absolutamente, estão em cima da escrivaninha. Conto depois.

- Cadê o jornal? Eu deixei aqui!
- Levei lá pra sala. Vê lá!


Domingo (chovendo ininterruptamente)- Sirva o menino criada. O peixe.
- Sim senhora.
- Estou grato.

- Dá ai o frango...
- Ó mãe! Ele pegou tudo!
- Peguei mesmo, tô com mais fome que você.

13 novembro, 2006

Pitangas e a pitanga

O cheiro da pitanga branca entorpece
A pitanga branca encanta
O que fazeis, querido, essa hora?
A hora do entardecer?

Foram tuas mãos que ensaboaram a lascívia
Foram teus olhos que me cansaram
Foram teus desejosos toques que me provaram
Corpos
Corpos exalando frescores
Um aroma bandeirante
Um aroma café com leite
Um aroma pantaneiro

Quantos corpos?
Quantos toques? Apaixonados?
Encantados?
Quantas maneiras de exaltar outrem?
Três corpos
Ensaboados
Frescos, frescos como pitangas
Pitangas brancas
Brancas
Pitangas e pitanga

Eram vós pitangas
Somente vós
Não a pitanga
Somente a pitanga

Quantos corpos?
Quantos toques encantados?
Quantas maneiras de exaltar outrem?
Três corpos brancos
Três amantes brancos
Frescos
Frescos como pitangas

Amarelou a cor da pitanga
Amargou o gosto das pitangas
Cor de pitanga, gosto de pitanga
E as pitangas?
Não sei mais
Foi a pitanga
Por pouco não foi sofreguidão

Macieza das pitangas
O amargor da pitanga
Sob ávidos toques
São encantos duradouros
Distante exclamou pitanga:
“Saudades de ti
Espero ouvir-te logo
Desejosos beijos de pitanga!
Teu novo amor.”

Eram vós pitangas
Somente vós
Não a pitanga
Somente a pitanga

14 outubro, 2006

Brasão - Mário Faustino

Brasão
Mário Faustino


Nasce do solo sono uma armadilha
Das feras do irreal para as do ser
- Unicórnios investem contra o Rei.

Nasce do solo sono um facho fulvo
Transfigurando a rosa e as armas lúcidas
Do campo de harmonia que plantei.

Nasce do solo sono um sobressalto.
Nasce o guerreiro. A torre. Os amarelos
Corcéis da fuga de ouro que implorei.

E nasce nu do sono um desafio.
Nasce um verso rampante, um brado, um solo
De lira santa e brava - minha lei

Até que nasça a luz e tombe o sonho,
O monstro de aventura que eu amei.

18 setembro, 2006

Gata Morena

Foste embora, gata.
Gata branda, malhada.
Foste embora, gata.
Gata morena, malhada.

A corujinha ainda vive ali, na beira.
A arara pousa ali, nas altas.

Foste embora, gata.
Gata parda, malhada.

Tua dança incorporou nas raízes desta cidade.
Morena como tu.

Foste embora para a Garoa.
Alguns víveres da Morena sentem tua falta, alta.

17 julho, 2006

Verde domingo

Cores claras abraçavam teu leito. Linda cor verde... a mesma cor que me aprazia.
Domingo... nunca desejei bem o domingo...
Deitado... coberto... certo como bloqueio. Defeso pela situação e, ao mesmo tempo, indefeso por minhas palavras.
Quisera não te fazer sofrer. Quisera...
Nem ao menos me preparei e tu, sincero, não me aprisionaste. Por quê? Questões? Estávamos cientes da verdade. Eu mudo. Sabias da razão de minha visita e nem sinalizou...

Não pude evitar os olhares ontem à noite. Não pude contemplar-te com outra intenção. Não pude procurar-te com o mesmo vigor de outrora.
Procurei, procurei...
Estava atrás da afirmação. Veio ao deitar.

Pude contornar ao nosso favor, mas não completamente ao meu.
Emocionei-me. Certamente pelas sensações que, graças a ti, certificaram-me da existência de um coração dentro de mim.

Verde. É a cor da alegria. Adornava teu corpo. Um rosto puro. Bela forma desenhada pela providência divina. Seria ela a responsável por nossa união?
Verde. É a cor da tristeza. Enxugava tuas lágrimas. Sinceras! Encantadas. Emotivas. Egoístas, pois pensavas apenas na solidão que o aguardava.

Verde é a cor da minha condenação. Resultado de bem-me-quer.

Amanhã não serei o mesmo. Tua ausência marcará friamente meu peito.

Saibas que me esforcei. Imagens lindas carregarei.
Hoje dou-te gratidão e amizade. O que me dará?

Foste o primeiro presente mais belo, puro e límpido que já recebi.
Foste a primeira constatação de que sou humano.

Saibam... foi a Pureza que fez a Liberdade chorar.

“É um tchau, não um adeus.”

Resta-me uma pergunta: Por que me negaste um abraço?

23 março, 2006

Você e eu. O que está acontecendo conosco?

É muita pretensão, mas mesmo assim vou continuar.
As vezes nós nos engamos. Eu me enganei com você e você com os outros. Foi culpa sua se distanciar de mim... foi culpa minha não ter ido atrás de você.
Mas tudo isso passou e o que importa agora é o seu coração.
Estive muito próximo de você, não sei se sabe disso... o que sinto não interessa mais. Apenas a preocupação de que esteja bem, muito bem.
Tenho dúvidas, mas acredito que tudo poderá ficar bem se você ficar bem consigo mesmo.
Agora pense em você. Na sua saúde. Na sua vida, esteja sozinho ou não.
Sozinho? Será que ficará algum dia? Diga sim a mim e nunca isso acontecerá.
Adeus?

13 março, 2006

Canção folclórica portuguesa

Alecrim
Alecrim, alecrim aos molhos
Por causa de ti choram os meus olhos
Alecrim, alecrim aos molhos
Por causa de ti choram os meus olhos.
Ó meu amor
Quem te disse a ti
Que a flor do campo era o alecrim?
Alecrim, alecrim dourado
Que nasceu no campo
Sem ser semeado
Ó meu amor
Quem te disse a ti
Que a flor do campo era o alecrim?

20 fevereiro, 2006

Alma

- O que a aflinge?
- Teus olhos, invejoso!
- Repita isso e serás excomungada... Rapariga dos diabos. Ah! Credo em cruz, Virgem Santa. Que Meu Senhor tenha piedade de vós.

...

- Repita comigo: "Meu Senhor, não sou digno que entreis em minha morada, mas dizei uma só Palavra e sereis salvo."
- Não. Não sou digna deste benção.
- Seja obediente! Rapariga fraca, impudica e torpe. Vamos! Não tenho todo o tempo para vós.

...

- Sentes algo?
- Ainda não. O que espera?
- Tens a petulância de me questionar? Rapariga dos diabos!
- Sinto que estou entorpecida... algo me deixa entorpecida.
- É sicuta. Logo morrerás... somente desta maneira me deixará quieto.
- Senhor Frade... cof, cof... como pôde?
- Que Meu Senhor a tenha em Seus braços...

21 janeiro, 2006

O bom lembrar das frestas azuis - Rebeca Rasel

O bom lembrar das frestas azuis
Rebeca Rasel


Um fluir atravessado;
Clareira azul
Que transborda os limites
Da sala opaca.

Irradiada; luz
Que protagoniza passos
Teus, distantes,
Em fuga quase.

Finito alento;
Encontros em ares
Feitos de pausa:
Vapor de despedida.

De largura imprecisa,
Suplementes de cor e
Sombra: farsa
De teu corpo; adeus.

Tardes assim não foram feitas para existir.

Dentro de mim existe um quase-mundo tolo
Desses em que o te pertencer apenas persiste:
Como uma placa qualquer de direção
Indicando uma rua ou uma esquina já conhecida.

Meus braços fracos, em um gesto curvo e bravo,
Tentam levar para longe o crepúsculo trêmulo de teus olhos
Ali, no espelho, a perceber o tanto de você que ainda há em mim.

Percebo que a ausência só existe como palavra
Porque o vazio teu é concreto e perceptível.

Volto então a me abrigar na sombra de tua pálpebra;
Tardes assim não foram feitas mesmo para te esquecer.

06 janeiro, 2006

Teu e meu

[Primeiro canto]

Nossos olhares se cruzaram
À noite
Escuro-clara
Sem devaneios
Chavão?
Vitória da Liberdade
Fraqueza da Solidão
Inveja da Preguiça
Daria-nos Satisfação?
Uma música
Um soneto
Um refrão

Dances
Dances
Dances comigo, dances!
Dances Paixão
Envolva-nos
Partes de corpos, alheios corpos
É o teu? É o meu?
Fomo-nos corpos, fomo-nos ritmo e toque
Toques
Toques
Meus lábios entre teus cabelos
Teus lábios entre meus desejos
Quisera sentir mais de teu toque
Ouvir mais de tua oração
Apenas uma?
Não pude
Estava inebriado
Junto ao teu peito
Teu e meu
Simplesmente