Desde pirralho envaidecido eu desejava conceituar o que sentia. Dediquei-me a leitura do dicionário. Pretensiosamente, escolhia os termos mais suntuosos, clássicos do idioma e pouco me intimidava com os elogios eloquentes destinados àquela peripécia. Tomou-me tempo e com o passar dos anos percebia que a correspondência entre a minha vontade e o escutar alheio em nada agradava profundamente as pessoas ao meu redor, apenas as atordoava num primeiro instante, depois as desenxabia.
Outro tempo se tornou realidade e
alguém apareceu. Telepático, mas belo ao menos por fora. Comunicamos com pouca
estratégia, ao menos da minha parte. De outro modo, independente, tornei-me
sentimental novamente, sem a segurança que possuía anteriormente. Numa forma
pouco distinta, acompanhei este alguém rumo a um futuro completamente
indesejado para ambos, ao menos não expressamente dito. Encontrávamos e parece
que até chegamos a acreditar à mesma era de que seria para sempre.
Certa vez o beijei. Na verdade,
este alguém me beijou. Foi seu primeiro impulso depois de alguns comentários. Víamos
íntimos e inexistia compromisso. Seguimos. Eu gostava, e depois descobri que
apenas eu gostava, de nossos encontros. Mas, como tudo acaba não muito bem houve
um fim para nós. Mal sabíamos, eu ainda sentimental, que era apenas um intervalo.
Em outra certa vez o encontrei. Nada
muito natural, afinal tínhamos alguma coisa ainda em haver. Voltei-me para o
depósito das sentimentalidades, encurtei discursos e o retorno amigável, fortunadamente,
veio a nós. Eu me empolguei, mas havia muita declaração de amor por parte dos
dois. Não poderia me furtar. As contingências ficaram confortáveis para este
alguém e, mesmo envaidecido pelo retorno, afinal era o nosso primeiro, uma
porção em mim ainda não estava muito clara, deixando certa liquidez nas
percepções. Eu o procurava, o tocava, o sentia e, por fim, o beijava.
Aproximamos tão fortemente que os
apertos passaram a ser constantes: corpo a corpo, face ao redor das bochechas,
mordidas carinhosas e, por não menos, mais um beijo.
De repente, este alguém deixa de
falar, tenta se afastar, passa a não me responder, ignora meus olhares, torna-se
um vulto, foi se removendo da mente, fazia nenhuma falta e na intensidade de um
último toque, encostamos os lábios. Novamente, por sua iniciativa, movimentou
os lábios e eu gulosamente propus o contato das línguas. Imediatamente, senti alívio
nas pálpebras, deixei de esperar o futuro, entreguei o corpo mais gentil ao
dele, relaxei os ombros, depositei meu rosto mais inclinado e o melhor beijo
que nos demos aconteceu, definitivamente.
Sem mais, abri os olhos, desenrolei
das penas parte do lençol e voltei a repousar o rosto no travesseiro, caindo outra
vez no sono.