Esteve muito próximo ao fogão, enquanto sua avó preparava a
sopa. Como sempre, já faziam ventos temperados em sua porta e por isso
precisariam se aquecer. Tecia aos poucos, justamente porque ainda era muito infantil, cada vez mais admiração por ela, e por isso acreditou ser amor, por
aquela senhora com lenço branco envolto na cabeça e que usava cotidianamente um vestido florido.
As mãos se tocavam e ele sabia, desde tenra vida, que ela
era sim o calor de que ele mais precisava naquele dia, pelos dois considerado especial. Era uma comemoração, orgulhavam-se. Ela jamais
se esqueceria, enquanto viva e ele afetuosamente esperaria o momento.
Ela estendeu a toalha de mesa e pediu que ele se acomodasse
muito perto, para que a sopa não lhe ferisse. Apoiou-o, sem queixumes. Dispôs o
prato e um copo vazios, ainda. Ele sorriu como sempre o fizera por sentir a
proteção irradiada de sua avó. O aroma dos vegetais animava ainda mais os dois.
Os pães já estavam dispostos para que seus braços curtos pudessem alcança-los. Ela
estendeu outro copo para que ele bebesse água, imediatamente. Ele se regozijou.
Como que em postura para prece, agradeceu à divindade sem que a avó o
solicitasse, mesmo acompanhando. Ela serviu uma concha, ele logo apalpou o
pão mais branquinho. Ela ajeitou o prato mais próximo à boca, ele assoprou, de
modo quase adulto, o caldo já na colher. Ela sorriu como se quisesse nutri-lo
com mais amor, além da sopa, ele ao máximo cuidado agradecia com apenas
um olhar. Ela não se sentou. Ocupando ainda o estado de vigília, aguardou
cuidadosamente o fim da refeição e ele consentiu em ajuda-la. Eram cúmplices. Ela
encerrou a lavagem da louça, ele firme rente à pia. Ela retirou o lenço da
cabeça enquanto ele voltava do banheiro com os dentes escovados. Ela se trocava enquanto ele retirava o cobertor e se dispunha para baixo do manto. Ela o
beijou a testa e declarou: “Feliz aniversário, meu filho.” Ele torcendo a ponta
do nariz e em comemoração pela lembrança, respondeu: “Obrigado vovó!” “Durma
bem, meu querido!”, ela encerrou.
Durante toda essa passagem, nenhum som foi desconhecido. Nenhum
olhar embaraçado. Pouco contraste por causa da iluminação modesta. Jamais ruídos
de desatenção. Nada fosco o inacabado. Tudo amorosamente redondo.
Quando crianças, somos dispostos
a viver como crianças sempre em aprendizado e nunca como crianças que já
aprenderam e vivenciam ao menor afeto singelo. Esquecem-se de nutrir, nas crianças, o saber
sobre a saudade de quem nos ofereceu os primeiros sinais de amor. Hoje, já
homem, ele só desejaria aquele abraço, aquelas mãos e o olhar que, silenciosamente,
acalmariam qualquer corpo da dor.