Ontem eu estive chateado. Chateado com o mundo e com seus
habitantes, os mais próximos a mim ao menos. Nada dramático, apenas chateações que
surgem no decorrer do dia. Eu sei a fonte principal do descontentamento que me perfura e, como
sempre pretendo, evito expor o ser insuportável que habita em mim.
Quando me deitei, tentei escapar da vis intenções que
percorreram a mente. Eram coices e desequilíbrios emocionais e em nenhum deles
vocês esteve. Era final de dia. Passei, contudo, meses tentando sentir raiva da sua ausência.
Confesso que não é comum eu conviver com amáveis sentimentos sobre as pessoas,
mas nessa situação parece ter me preenchido imensamente de amor, desde quando
caminhávamos juntos à noite no Parque.
A maioria das pessoas não entenderam esse convívio.
Talvez, nem mesmo nós dois entendíamos. Pois foi assim que nos distanciamos:
casuisticamente.
Tenho a impressão, contudo, de ter deixado você me amar
muito além do permitido. Como se fossemos um casal encantado. Perderíamos nossa
independência, afinal nos conhecíamos muito bem, ou, como se queira hoje, diplomático, conhecíamo-nos o suficiente para não arriscarmos um
devaneio emocional.
Quando percebi que estava sonolento o suficiente para cerrar
os olhos, veio a mim a sensação de incompletude, abstenção e vazio. É ruim esse
sentimento, mas como estamos em tempos de absurdos, desfiz-me dessa empatia por
ele. É degradante a um homem quando se apercebe que está com saudades de
alguém que amou e esse alguém ainda vive. Está no limite do ridículo, pois o pensamento não arreda e
continua circulando imagens passadas.
O sono foi se apossando de mim e como sempre me inquietei. Passado
um tempo que não percebi, já estava em sua frente. Seu rosto devidamente delineado
demonstrava sisudez e antipatia. Também pudera, já não estávamos mais abençoados
pela graça da intimidade. Questionei se estaria com saudades de mim. Deu um
sorriso acanhado e desenxabido. Eu entendi e por dentro algo agudo perfurante
rompeu, rapidamente, a borda de esperança que resistia. O tempo é o pior
inimigo dos humanos, mesmo os mais fraternais. Não resmunguei, por certo, em sua frente. Tentei
remediar o abismo ali posto por você com outra pergunta, mas me esqueci qual era. Você se
virou, andou alguns passos incontáveis e soltou que estava de partida. Eu,
querendo insistir, e mesmo desmotivado, deixei-o quieto e com o seu andar nos
distanciamos. Você desapareceu para aquele sempre.
Acordei, pouco menos emburrado que a noite anterior. Tomei-me pelas
águas em banho e deitei-me novamente entre o lençol remexido e os travesseiros.
Esqueci de desligar o abajur e, ainda sonolento, voltei a procurar sua imagem em
sonho.