06 dezembro, 2015

Marília Pera

Eita, que meu coração se acabe em revolta e depressa se refestele com as finalidades da natureza física. Eita, que o corpo não resistindo ao transbordar da vivacidade humana se exploda em pedaços aquietados pela própria energia. Vai-se morrendo devagarinho, sem pressa. Quando não estamos do outro lado de nós mesmos e morremos é como se nossa existência estivesse derrotada, falida. Quando pensamos que somos nós os barões de um interior é ali, no ressentimento de que não somos heróis de nós mesmos, que o fim se inicia. Do nosso outro lado de cá, ficam as cicatrizes, as mágoas, as conquistas, os flashes de lembranças que só são revividos graças à eficiência de uma parte da natureza física.
Seja noite ou tarde, não importa o horário exato, desde que não seja pela manhã, o ócio se aproveita e vai roendo a carne. A pessoa quanto mais experiente é mais o corpo vai resistindo ao crescimento de nossos lados internos. É forte demais a humanidade de alguém que se entrega em arte. É demasiadamente incrível como uma só mergulhada no lago do teatro e do canto nos faz condenados a uma vida imensamente bela.
É na manhã que partimos para o sagrado, o pueril, o eterno silêncio e também árduo embruscamento. É pela manhã que todo início parece não ter término, que toda imensidão pode ser revelada e que todo ar nos revigora.
Há mais certezas na manhã que a tarde, mesmo preguiçosa, e a noite, a mais lasciva das forças, podem alcançar.