“Tenho medo!”, gritei do interior do meu ser.
Medo não é um sentimento agradável, mas quem consegue
ludibriá-lo? Eu sei! Nem mesmo os mais sábios conseguiram. Engano! Equivoquei-me. Há sim uma maneira de contornar
o medo: fazendo dele cúmplice do sofrimento. Sim, olhe cá! Eu explico!
Por um lado o medo
impõe as mãos contra o peito do dito cujo e o faz desistir. Isso acontece com os imaturos e assustados. O mundo gira mesmo, não é? Então, quando acontece, o tal nível de
enfrentamento fica lá em baixo. Bem baixinho. Pequenininho. Quase um desalmado
ser. Por sua vez, é quando os sábios emparelham medo e sofrimento formando um corpo, pois o medo é
um espectro. Paira sem substância dentro de nós. Com corpo o medo inflama o sofrimento. É sua força motriz. Este fica mais pontiagudo.
Rígido. Largo e sem limites. Como a alma que dizem habitar nosso corpo. Mais ou
menos assim, sabe!?
Então, quando começam os sintomas em alguém que se
contaminou com o próprio medo, o sofrimento se torna tão áspero e austero
causando dores estomacais, risos frouxos e mãos inquietas. Deixa-se de
compartilhar experiências agradáveis, desfaz-se de detalhes e teatraliza
inquietudes. E no momento em que o ser se prostra frente ao medo-sofrimento daí
surge a evolução do corpo: o terror.
Ah o terror! Exalta os horizontes da preocupação. Ignora a
sensatez. Despedaça a paciência. Contra o medo-sofrimento em seu estágio
embrionário podemos construir medidas eficazes e mais urgentes. Já com o terror
alimentado! Só podemos aguardar. Aguardamos o instante mais prudente para
enxergarmos o corpo-sofrimento-medo e nos aproximarmos do
corpo-desejo-segurança para contrapô-los. O duelo se inicia. As horas, dias,
semanas passam velozmente. Esquecemo-nos dos compromissos mais pessoais.
Retornamos às ideias fixas. Suplicamos desenxabidamente por colo e a solidão se
refestela.
Distanciamos pessoas que eram nossas. Não detemos mais a
simpatia. Faz-se falta o colo. Os risos desaparecem na memória. A pele
envelhece ausente o toque e os detalhes são esquecidos. Assim, para aqueles que
não apreciam os detalhes e os menosprezam não lhes cabe um banquete. Há fome. E
sem saciedade o ser não produz. Desconstrói sentidos. Emburrica. O perfume
alheio já não provoca mais sorrisos gratuitos durante uma jornada de trabalho. É inflamado o orgulho. E o fim se
encerra com a ironia. Sim, tenho medo! Só não posso mais afrouxar as correntes do corpo-medo-sofrimento para que alcance seu alimento mais apetitoso: a nossa vaidade.